O jantar estava leve, risos e conversas misturavam-se ao tilintar dos talheres. Meu pai, com seu jeito observador, me lançava alguns olhares discretos, e, entre uma conversa e outra, finalmente falou em um tom casual:
— Higor, preciso que você vá à capital depois de amanhã resolver uns assuntos pra mim. E, Helena, acho que seria bom você ir também, se distrair um pouco. Soube que suas amigas vão dar aquela festa de Halloween... e, pelo visto, é nesse fim de semana, né?
A festa! Como pude esquecer? No impulso, arregalei os olhos, tentando disfarçar minha empolgação. Eu nem lembrava qual foi a última vez que tinha falado com o pessoal da cidade. Antes que eu dissesse algo, Maria praticamente deu um pulo da cadeira:
— Festa de Halloween? Eu posso ir junto, Lena? — Os olhos dela brilhavam de animação, o sorriso tão animado que foi impossível não rir.
— Claro, Maria! E já tenho uma fantasia perfeita pra você — respondi, piscando para ela, imaginando o quanto se divertiria.
Meu pai soltou um riso de canto e comentou, casual, mas com um brilho divertido no olhar:
— Fantasia perfeita? Só não vai me dizer que é uma daquelas curtinhas que você usou ano passado... Sei que teve um certo lobo que mal me deixou em paz depois de ver aquilo.
O olhar do Higor endureceu de imediato. Um leve rubor subiu ao rosto dele, e ele desviou os olhos, fixando-os no prato como se houvesse ali algo de muito interessante. Entre risos, minha mente já começava a criar cenas para o que seria aquele final de semana.
Foi então que Marlon interveio, com aquela voz firme e grave que eu já conhecia tão bem:
— Ah, sim, o Matteo também vai para a cidade. Preciso que ele resolva uns assuntos da fazenda, então ele pode ir com vocês.
Eu sorri, mal prestando atenção ao que meu tio falou, enquanto Maria parecia prestes a explodir de excitação.
O jantar terminou com Maria ainda radiante, tagarelando sobre a festa enquanto caminhávamos juntas para o meu quarto. O entusiasmo dela era contagiante, mas ao mesmo tempo me deixava pensativa. Como uma onda de calor que desaparecia ao entrar na penumbra dos meus próprios pensamentos.
Assim que entramos no quarto, Maria praticamente se jogou na cama, os olhos brilhando.
— Então, o que você tem pra mim, hein? Qual é essa fantasia perfeita? — perguntou ela, batendo as mãos no colchão como uma criança ansiosa.
Abri meu armário e puxei a caixa que continha minhas roupas antigas. Dentro, estava a fantasia de Chapeuzinho Vermelho que usei no Halloween passado. Maria arregalou os olhos, encantada.
— Meu Deus, Lena, isso é perfeito! — exclamou, segurando o vestido com cuidado, como se fosse uma peça preciosa.
Eu ri, balançando a cabeça.
— Ano passado, eu mal consegui aproveitar com essa fantasia. E olha que eu até estava de olho em alguém que pudesse ser o meu "lobo mau"... mas, bem, não deu muito certo. — Deixo de fora a parte que era o Higor quem atrapalhou toda a minha noite; este ano, o foco não será eu.
Maria gargalhou, girando com o vestido contra o espelho.
— É tão linda! Acho que essa vai ser a melhor festa de todas.
Enquanto ela experimentava a roupa, eu me sentei na beira da cama, pensativa. Por mais que tentasse me animar, ainda sentia aquela pontada de saudade do que parecia faltar em minha vida. Era como se as sombras ao meu redor insistissem em lembrar que alegria sempre vinha com um preço.
Maria, no entanto, era a luz naquele momento. Ela girava, ria e iluminava o quarto com sua energia vibrante. Talvez fosse isso que eu precisava. Talvez fosse hora de deixar as sombras pra trás, ao menos por uma noite.
— E você? — A voz dela me tirou dos pensamentos. — Já sabe com o que vai?
Dei de ombros, abrindo um sorriso enigmático. — Ainda não, mas vou pensar em algo. Afinal, preciso superar meu próprio "Chapeuzinho Vermelho", né?
A verdade? Eu não fazia ideia do que vestir. O Halloween era uma desculpa perfeita para algo ousado, mas minha mente estava um caos.
Peguei o celular e digitei rapidamente no grupo com Carol e Sara, minhas melhores amigas:
"Preciso de ajuda urgente! Eu irei à festa, mas não faço ideia do que usar. Sugestões? E não, antes que falem, não vou repetir o look de Chapeuzinho. Já está comprometido!"
Enviei e joguei o celular ao lado, suspirando. Era estranho como, mesmo cercada de tantas coisas familiares, eu ainda me sentia... um pouco distante. Talvez as respostas delas ajudassem. Talvez eu só precisasse de uma noite para me sentir viva outra vez.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo Seco
Fantasy-vote e comente se gostar💋- O Corpo Seco é uma lenda do folclore brasileiro sobre um espírito amaldiçoado que, devido às suas maldades em vida, foi rejeitado pelo céu, pelo inferno e até pela própria terra. Condenado a vagar eternamente, ele assomb...