Capítulo Vinte e três

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Minha mente estava um caos. Eu sentia cada fibra do meu corpo em alerta, como se estivesse diante de algo que minha consciência se recusava a aceitar. Meus lábios tremiam e meus punhos se fecharam involuntariamente, como se o meu corpo soubesse mais sobre o perigo que eu estava enfrentando do que a minha própria mente. Ainda assim, eu precisava de respostas. E, por mais que eu soubesse que deveria conter meus impulsos, a raiva e o medo se misturavam, me empurrando a questioná-lo.

— Como você sabe meu nome? — perguntei, com a respiração pesada e a voz soando mais firme do que eu realmente me sentia. — Como você pode saber tanto sobre mim?!

Ele ficou em silêncio, me observando do alto e, por um instante, o peso da quietude pareceu esmagador, como se as próprias sombras ao redor absorvessem o som. As sombras pareciam se enroscar em torno de nós, como se fossem uma presença viva, sufocando até o ar entre nós. Quando finalmente respondeu, a voz dele saiu áspera, carregada de algo que eu não conseguia nomear — algo tão antigo e denso que me provocou um calafrio.

— Porque eu a conheço há muito tempo, Helena. Você pode não se lembrar de mim, mas eu me lembro de você... perfeitamente.

Meu coração disparou. Cada palavra dele soava como uma promessa escondida, algo que eu ainda não conseguia entender. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia um medo irracional crescendo dentro de mim, uma sensação de que o que ele dizia era verdade. Isso me enfurecia, mas me confundia ainda mais. O que ele quer me dizer? Por que tudo parece tão sombrio?

— Isso é impossível! — retruquei, tentando ignorar o tremor que ameaçava minha voz. — Eu nunca te vi antes! Nunca. — Um misto de raiva e pavor me consumia, mas eu não podia mais fugir, já era tarde demais para isso. — Quem é você? O que quer de mim? — minha voz saiu quase como um sussurro.

Ele inclinou a cabeça, como um corvo, estudando cada reação minha, e algo na postura dele parecia estar esperando esse momento há muito tempo.

— Se realmente quer saber... — Ele hesitou por um instante, como se tivesse mais a dizer, mas então sua voz se transformou em um tom quase sombrio, quase hipnotizante. — Eu irei lhe mostrar.

Antes que eu pudesse me afastar, ele estendeu a mão na minha direção. Eu senti um choque, um arrepio gelado que subiu por minha espinha. Era como se as sombras ao redor se movessem, densas e pulsantes, e uma pressão quase insuportável começou a crescer em minha mente, pressionando-a para trás, como se eu estivesse sendo arrancada da minha própria realidade.

Meu corpo inteiro protestava, o medo e a inquietação se misturando em um pânico crescente. Eu queria gritar, recuar, mas, antes que pudesse reagir, o mundo ao meu redor começou a se dissolver, como se estivesse sendo arrastada para dentro de uma lembrança... que não era minha.

A brisa fria do mar tocou minha pele, e o cheiro salgado de água invadiu meus sentidos. Quando meus olhos focaram na cena, percebi que estava em um porto antigo, enevoado e agitado, como se fosse de outra era. Ao longe, eu conseguia ouvir o som de sinos, e o ruído das gaivotas pairava sobre a multidão inquieta.

Diante de mim, uma criança de cabelos escuros segurava firmemente a mão de sua mãe enquanto olhava ao redor, os olhos arregalados e cheios de incertezas. Eles pareciam novos ali, estrangeiros. O garoto olhou para a mãe, e o pequeno sussurro dele, em um italiano hesitante, trouxe um aperto estranho ao meu peito.

— "Mamma, dove siamo adesso?" (Mãe, onde estamos agora?) — Ele perguntou, a voz carregada de curiosidade e um leve toque de medo.

A mãe sorriu para ele, agachando-se para ficar na sua altura. Com um carinho suave, respondeu em português, sua voz carregada de uma firmeza gentil:

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora