Depois da conversa com Caio no dia anterior, dormir foi um desafio. Minha mente parecia brincar com memórias recentes, misturando a tensão de Matteo, o calor da proximidade de Caio, e aquela visão passada... tudo girava sem descanso. Mas agora, enquanto descia as escadas, o frescor da manhã prometia uma viagem longa e cheia de possibilidades.
O relógio marcava pouco mais de seis da manhã, e eu era a última a descer com a bagagem. Higor e Maria já estavam acomodados no carro, suas vozes abafadas chegando até mim em fragmentos de conversa. Nossa família havia se despedido na noite anterior — previsível como sempre. Esse tipo de despedida parecia mais importante para eles do que para mim.
Minha mala não era muito pesada, mas o volume fazia parecer que eu carregava algo imenso. Quando cheguei ao pé da escada, Matteo surgiu de repente. Ele não disse nada — apenas pegou a mala da minha mão com naturalidade, sem me dar chance de protestar. Ele vai ser sempre assim?
— Eu posso levar isso sozinha, sabia? — comentei, cruzando os braços enquanto ele começava a caminhar em direção ao carro.
Ele olhou por cima do ombro, a sombra de um sorriso brincando nos lábios.
— Eu sei.
Suspirei, mas o agradeci em silêncio. Era Matteo, afinal. Sempre agindo por conta própria, sem pedir permissão, mas nunca de um jeito rude. Ao contrário, parecia natural demais, como se fosse um hábito impossível de romper.
Assim que ele colocou a mala no porta-malas, Caio apareceu ao meu lado, lançando um olhar rápido para Matteo antes de abrir um sorriso descontraído.
— Achei que ia precisar salvar a princesa das malas pesadas — brincou, com aquele tom leve que sempre usava comigo. — Mas parece que o Matteo já tem isso coberto, né?
Eu dei de ombros, tentando não demonstrar o calor repentino que subiu ao meu rosto.
— Não sou uma princesa, Caio. E, honestamente, acho que você está superestimando o peso dessas malas.
Ele riu, erguendo as mãos em rendição, enquanto Matteo fechava o porta-malas com um clique seco e se afastava, sem dizer mais nada.
— Vamos? — Maria gritou do carro, empolgada como sempre. — Não acredito que estamos finalmente indo pra cidade!
Higor, ao lado dela no banco da frente, parecia menos entusiasmado, mas deu um aceno breve, indicando que estava esperando apenas por nós.
Com um último suspiro, segui em direção ao carro, tentando ignorar a sensação estranha que se formava em meu peito. Matteo, Caio, Higor, Maria... Será tranquilo... certo?
Matteo abriu a porta traseira do carro com a mesma naturalidade de sempre, esperando que eu entrasse. Antes que eu pudesse me mover, no entanto, Caio passou por mim, esbarrando levemente no meu ombro com um sorriso despreocupado.
— Espero que não se importe — ele disse, já se acomodando no assento junto à janela. — Eu realmente não aguento ficar no meio, sabe como é.
A tensão que se seguiu foi quase palpável. Matteo não disse nada, mas seus olhos estreitaram por um breve segundo, fixando-se no gesto de Caio. O silêncio me deixou desconfortável, então dei de ombros, fingindo indiferença.
— Tudo bem, eu vou no meio — murmurei, tentando soar casual enquanto subia no carro.
O calor do corpo de Caio estava próximo ao meu lado esquerdo, e, assim que me acomodei, ele passou o braço pelos meus ombros com um movimento natural, mas possessivo.
— Assim tá perfeito, né? — ele disse, olhando para mim com um sorriso que poderia ser visto como gentil, mas continha algo mais.
Do meu outro lado, Matteo entrou no carro, fechando a porta com um movimento lento. Sua expressão parecia tão neutra quanto sempre, mas eu sabia que não era bem assim. Ele se ajeitou no assento, mantendo uma distância cuidadosa, mas sua presença preenchia todo o espaço.
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Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo Seco
Fantasy-vote e comente se gostar💋- O Corpo Seco é uma lenda do folclore brasileiro sobre um espírito amaldiçoado que, devido às suas maldades em vida, foi rejeitado pelo céu, pelo inferno e até pela própria terra. Condenado a vagar eternamente, ele assomb...