O sol surgia lentamente, tingindo o céu com um laranja suave e dissolvendo a escuridão da noite. Eu me aconchegava no ombro de Caio, sentindo o peso de seu braço ao meu redor enquanto o amanhecer espalhava um brilho cálido pelo topo da montanha. Meu olhar encontrou Matteo por um instante ao longe, uma troca silenciosa que eu não soube definir. Mas, quando tornei a procurá-lo, ele já não estava ali. Aquela sensação de vazio se instalou em mim, e eu me peguei perguntando se o que eu queria realmente estava ao meu alcance.
Os outros começavam a se dispersar, cada um voltando para suas barracas, murmurando algo sobre pegar mais algumas horas de sono. Eu queria fazer o mesmo, mas Caio parecia ainda animado com a ideia de prolongar a manhã.
— Que tal uma caminhada? — ele sugeriu, aproximando ainda mais seu rosto do meu, num tom casual. — Já estamos acordados mesmo...
Eu hesitei, sentindo o peso do cansaço, mas assenti devagar, sem saber bem o que esperava encontrar naquela caminhada. Não estava muito animada para entrar na floresta, mas eu iria com Caio, nada aconteceria e ele estaria lá se eu precisasse. Levantei-me, escapando de seu abraço, e fui até a minha barraca, procurando uma roupa limpa. Enquanto me trocava, senti uma presença familiar.
Ao me virar, lá estava Higor, os braços cruzados e a expressão mais séria do que eu já vira. Ultimamente, eu me sentia como uma boneca de porcelana perto dele, sempre observando meus passos como se eu pudesse tropeçar a qualquer momento. Isso estava começando a me irritar.
— Passeio com o Caio? — ele perguntou, o tom quase duro, como se buscasse uma confirmação.
Suspirei, irritada com o peso da sua desconfiança.
— Só vamos caminhar um pouco, Higor. Não é nada demais.
Ele deu um passo mais perto, o olhar carregado de uma advertência que não precisava ser dita.
— Só... tome cuidado, Helena. Você confia demais nas pessoas. Caio nem sempre pensa no que faz, e eu só não quero que você se machuque.
As palavras dele me atingiram e me irritaram profundamente, mas de um jeito inesperado. Eu sempre soube que Higor queria o meu bem, mas, naquele instante, era como se ele estivesse falando sobre algo que ia além de Caio, sobre coisas que eu mesma não conseguia ver. Se ele está tão preocupado, poderia no mínimo dizer o motivo certo? Eu o encarei por um instante, e as palavras saíram antes que eu pudesse controlar.
— Tem certeza de que é no Caio que eu não posso confiar, Higor? Porque talvez não seja ele quem anda escondendo coisas e mentindo para mim.
O silêncio que se seguiu foi denso, e por um momento o rosto dele endureceu, como se eu tivesse tocado em algo profundo demais. Era verdade que algumas coisas andavam me incomodando, segredos que ele insistia em esconder, como se achasse que eu não pudesse entender. Eu não sou uma pessoa confiável para contar sobre Maria? Por que você não é sincero comigo também, Higor?
Ele ficou em silêncio, os olhos fixos nos meus, mas não respondeu. E, naquele momento, senti como se eu tivesse lançado uma pergunta que, se fosse direcionada a mim, também não responderia a verdade — pelo menos ainda não. Ele já está preocupado demais; se eu falar que sequer estou dormindo porque toda noite sou teletransportada novamente para a floresta, ele provavelmente me acharia louca.
— Vou ficar bem, Higor — murmurei por fim, tentando suavizar o impacto do que eu mesma dissera. — Prometo, nada irá acontecer. — Essa parte foi mais para mim do que para ele.
Ele assentiu, ainda me observando com uma cautela maior do que eu podia suportar. Finalmente, virou-se e desapareceu entre as barracas.
Observei meu irmão se afastar, o peso das minhas próprias palavras ainda reverberando em mim. Talvez eu tivesse tocado numa verdade que, até então, preferia ignorar. Mas Caio já me esperava, e talvez aquela caminhada pudesse me dar o espaço que eu precisava para organizar meus próprios pensamentos.
Nos afastamos do acampamento e era como se estivéssemos deixando aquele mundo, feito de olhares e palavras não ditas, para trás, entrando em uma realidade onde existíamos apenas nós dois. O silêncio entre nós era confortável e eu gostava disso, mas não queria quebrá-lo, temendo que, se falasse, ele se dissipasse.
À nossa volta, as árvores projetavam sombras longas e finas, e o chão estava coberto de folhas úmidas. Caio me ajudou a passar por uma raiz mais alta, segurando minha mão de um jeito que parecia ao mesmo tempo natural e cheio de intenção. Nossos dedos se tocaram e, por um instante, meu corpo reagiu como se aquele simples contato fosse algo explosivo. Helena... Helena... você deveria se decidir. O que está pensando?
— Parece que você nunca relaxa de verdade — ele comentou, com aquele sorriso de canto que sempre parecia esconder alguma coisa.
Eu revirei os olhos, mas, ao olhar para ele, senti uma leve onda de calor no rosto. Não era apenas a caminhada que me deixava sem palavras, mas o jeito que ele me olhava, com tanto cuidado que eu me sentia segura.
— Talvez eu tenha coisas demais para pensar — murmurei, tentando soar casual.
— E o que te preocupa tanto? — ele perguntou, de repente mais sério, os olhos fixos nos meus.
Por algum motivo, senti que poderia contar a ele, que talvez pudesse abrir um pedaço de mim que eu guardava com tanto cuidado. As palavras saíram, baixas e hesitantes, como se fossem frágeis.
— Eu... só tenho medo de perder as pessoas, acho. Já aconteceu antes, e não foi fácil. — Eu falo pensando em Higor, é um dos motivos que está me deixando ansiosa então, não estou mentindo, certo?
Por um instante, Caio ficou em silêncio. Eu quase me arrependi de ter dito algo, mas, então, ele parou em minha frente e ergueu a mão, tocando meu rosto com uma suavidade que me pegou desprevenida, e deslizou os dedos até o meu queixo, forçando-me a encará-lo. Aquele toque era quente, quase protetor, e por um momento, senti como se tudo estivesse bem.
— Você não vai me perder — ele murmurou, os olhos intensos, a voz suave. — Eu tô aqui.
O mundo pareceu se estreitar até que restássemos só nós dois, e a respiração dele estava tão próxima que eu podia senti-la contra a minha pele. Caio se inclinou, e eu quase fechei os olhos, sentindo a expectativa crescer dentro de mim. Mas algo em mim hesitou, uma sombra de dúvida. Virei o rosto no último segundo, desviando o olhar.
Caio parou, mas não se afastou. Ele apenas sorriu, um sorriso compreensivo, como quem entendia mais do que deixava transparecer. Ele não insistiria — pelo menos, não agora.
— Vamos voltar antes que alguém sinta nossa falta — ele sugeriu, dando um passo para trás e mudando o tom para algo mais leve.
Eu estava prestes a responder, mas ele me surpreendeu ao sair correndo, lançando um olhar travesso por cima do ombro.
— Se conseguir me alcançar! — gritou, rindo.
Por um segundo, fiquei paralisada, mas então, um sorriso se espalhou pelo meu rosto e eu corri atrás dele. O riso de Caio era contagiante, e logo estávamos os dois rindo, correndo como se fôssemos crianças novamente, livres de todas as responsabilidades e tensões. Eu o alcancei, empurrando-o levemente, e ele fingiu tropeçar, caindo de propósito e me puxando junto com ele para o chão, entre risos.
Quando finalmente paramos, ofegantes, olhei para ele, meu peito subindo e descendo enquanto tentava recuperar o fôlego. Caio estava deitado ao meu lado, o rosto virado para o céu, mas logo ele se apoiou nos cotovelos e virou o olhar para mim, os olhos brilhando com algo que eu não conseguia decifrar.
— Eu gosto de te ver assim — ele disse, a voz baixa. — Sem pensar demais. Só sendo... você.
Senti meu rosto corar, mas antes que pudesse responder, Caio estendeu a mão e, com delicadeza, tirou uma folha que havia ficado presa em meu cabelo. Seu toque foi suave, quase como uma carícia, e o tempo pareceu desacelerar de novo.
Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, o som de um galho quebrando chamou nossa atenção. Eu me sentei, olhando na direção do ruído, o coração ainda disparado, agora sentindo uma pontada de alerta.
— Deve ser algum animal — murmurei, mais para me convencer do que para convencê-lo.
Ele sorriu, aquele sorriso descontraído que só Caio conseguia manter. E, de algum modo, senti que, por agora, estava tudo bem. Levantamos, rindo, mesmo ainda com a atenção presa ao som misterioso que se dissipava na floresta ao nosso redor. O ar entre nós estava leve, e enquanto voltávamos ao acampamento, senti que talvez, por ora, ter Caio por perto fosse exatamente o que eu precisava.
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Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo Seco
Fantasy-vote e comente se gostar💋- O Corpo Seco é uma lenda do folclore brasileiro sobre um espírito amaldiçoado que, devido às suas maldades em vida, foi rejeitado pelo céu, pelo inferno e até pela própria terra. Condenado a vagar eternamente, ele assomb...