Capítulo Vinte e Cinco

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Um mês havia se passado desde aquela noite na floresta, e, de certa forma, era como se minha rotina de antes tivesse retornado ao seu curso natural. Mas, no fundo, tudo estava... diferente. Os dias eram agora mais leves, as noites de sono não traziam mais os receios que antes pareciam assombrá-las, e eu estava finalmente recuperando as horas de descanso que tanto havia perdido. Aos poucos, a palidez deixava meu rosto, as olheiras sumiam, e, tenho que admitir, minha aparência estava melhor do que nunca. Quem diria que uma maldição de eras era o remédio perfeito?

Ainda assim, por mais que tentasse seguir adiante, não conseguia ignorar a falta que ele me fazia. Mesmo sabendo de tudo o que havia descoberto — que ele era o Corpo Seco, a figura lendária envolta em sombras, e que, de algum modo inexplicável, eu fazia parte da história dele, entrelaçada ao mesmo destino — havia um vazio onde ele costumava estar. Queria mais respostas, mas ele parecia agora um silêncio, um espaço que eu não conseguia alcançar.

Às vezes, recordava o momento em que me chamou de perdizione... A palavra em italiano, um sussurro que parecia atravessar os séculos, ainda reverberava dentro de mim. Era estranho, mas eu sabia italiano, talvez por um capricho do destino ou uma ligação inconsciente com ele. Talvez, estudar a língua fosse um reflexo da minha alma, um preparo para encontrá-lo, como se parte de mim já soubesse o que me aguardava. E mesmo agora, eu estaria aqui, esperando, caso ele precisasse de mim, assim como sei que sempre estive.

As coisas por aqui andam bem mamão com açúcar. Minha rotina segue firme ao lado de Matteo nos estábulos. Porém, ele anda mais distante do que antes, e admito, isso me deixa com uma pontinha de chateação. Eu achava que estávamos criando alguma... amizade, mas talvez fosse coisa da minha cabeça. Observando melhor, percebo que Matteo é assim com todos, mesmo com quem ele conhece há anos; parece sempre manter uma certa distância. É como se ele evitasse se aproximar de verdade, sempre se mantendo um pouco à margem. Ainda assim, ele aparece em todas as nossas reuniões, seja em casa ou nos passeios sociais, e fico feliz que ele ainda queira estar por perto.

Lucas e Ana são sempre os mais animados, cheios de brincadeiras e conversas leves. Nos vemos mais nos fins de semana ou em raros almoços, mas só a presença deles já alegra o meu dia. Higor e Maria... eles continuam com seus segredos. Depois de tudo o que aconteceu, acho que aprendi que todos temos nossas próprias histórias guardadas, e só falamos quando estamos prontos. Mesmo que isso me incomode um pouco, não vou me meter, se eles tiverem algo a resolver. Mas às vezes, vejo um olhar que ele lança para ela, algo que ele tenta esconder, e penso... será que eles querem mesmo isso escondido? De qualquer forma, quem sou eu para desfazer ou desvendar os segredos dos outros?
Além disso, Maria sequer é nossa prima. Ela foi adotada pela tia Viviane depois que a mãe biológica, irmã dela, morreu em um acidente de carro. Talvez por isso nunca tenhamos sido muito próximas — ela chegou na família quando eu já não vinha mais tanto aqui.

E então tem Caio. Ele está sempre por perto, tentando passar o máximo de tempo comigo. Não vou dizer que não gosto; é só meio... diferente. Mas no geral, eu gosto da companhia dele. Caio me passa segurança, me faz sentir à vontade, e sei que se precisar de espaço, ele vai entender.

Meu pai e Lídia, minha madrasta, eu só vejo na hora do jantar junto com meus tios. Eles parecem bem, e até Lídia, que pensei que fosse odiar a ideia de ficar aqui, parece estar aproveitando — ganhou até um bronzeado novo. Quem diria que o campo serviria tão bem aos caprichos dela?

Enquanto eu anotava esses pensamentos no meu caderninho, uma batida suave ecoou na porta, seguida pela voz de Higor.

— Helena, estão todos esperando você para o jantar. Vamos?

Dei uma última olhada no diário rosa que Matteo havia me dado. Suspirei, fechando-o com cuidado, como se pudesse guardar todos esses pensamentos entre as páginas. Coloquei-o na minha escrivaninha, sentindo que, de alguma forma, ele estava começando a se tornar uma parte de mim.

Levantei-me, ajeitando a roupa e tentando colocar um sorriso no rosto. Afinal, era só mais um jantar em família.

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora