Capítulo Trinta

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Sinto algo caindo no meu rosto e, ao levantar rapidamente, percebo que havia dormido. Ah, foi uma almofada. Higor tacou uma almofada em mim — amor de irmãos.

— Você já deveria estar se arrumando ou esqueceu que temos que sair às 19h? — Ele diz, sentando na banqueta que divide a sala da cozinha. Matteo já está lá, mas Caio está em algum lugar por aí.

Eu me sento, passando a mão pelos cabelos numa tentativa de ajeitá-los, e falo, presunçosa:

— Não deve ser nem 16h, por que já está surtando? Nem nos viu vestidas ainda. — O provoco, pegando meu telefone. A tela brilha com as horas: 17h17.

— Droga! Vocês chegaram agora??? Por que não me acordaram antes? — Levanto num pulo, calço meus tênis e me preparo para subir correndo, mas, ao passar por Higor, ele segura meu braço e estende o celular para me mostrar algo.

— Tinha que ter alguma garantia de que você se comportaria na festa hoje. — Ele diz, sorrindo enquanto exibe vídeos e fotos minhas dormindo no sofá. E, claro, com uma poça de baba. Meu Deus, Caio viu isso? Matteo também?

Viro-me para Matteo, completamente espantada. Ele está sério, mas assim que percebe meu desespero, deixa escapar um riso contido.

— Eu não tenho nada a ver com isso! Não me olhe assim. — Ele diz, com aquele sorriso charmoso, enquanto abaixa a cabeça casualmente. Minha mente dá um nó.

É ele. Só pode ser ele. E, Deus, como é que eu deixei isso acontecer? Como posso estar corando por alguém que provavelmente só está me achando ridícula agora?

Viro de costas e desvio o olhar, tentando esconder o rosto vermelho enquanto os pensamentos se acumulam. Pensamentos que eu preferia não ter, porque eles são desconcertantes. Quentes demais. Errados demais. Subo as escadas o mais rápido que posso, mas acabo esbarrando em Caio. Assim que o impacto nos desequilibra, ele segura meus braços com firmeza.

— Calma, onde a princesa está indo com tanta pressa? — O tom dele soa falso, e o apelido parece ácido. Não gosto disso.

— Não gosto que me chame assim. E preciso começar a me arrumar, já estou atrasada! — Respondo, tentando me soltar, mas ele é mais forte e não me deixa sair.
— Ah, e como deveria te chamar? Talvez "minha estrela"? Tão distante... — Ele passa a mão pelo meu cabelo, e um arrepio sobe pela minha espinha. Não aquele arrepio que você quer sentir, mas o tipo que faz sentir um gosto amargo na garganta.

Por que ele tem que ser assim? Por que parece que ele me conhece mais do que deveria, como se pudesse manipular cada pequena reação minha?

Aproveito o momento para me desvencilhar. — Também não gosto desse. Meu nome é Helena. — Respondo firme, indo para o meu quarto e fechando a porta atrás de mim.

Algo está errado. Tem algo no ar que não se encaixa. E Caio... Caio está diferente. Não sei exatamente como, mas posso sentir. Mas agora não é hora disso. Tenho que me arrumar.

— Por que não me chamou? Já deveríamos estar prontas! — Pergunto para Maria, enquanto procuro sua fantasia e algumas maquiagens.

— Mas ainda nem são 17h30. Já está na hora de começar? — Ela pergunta, levantando preguiçosamente da cama e calçando um chinelo qualquer.

— Halloween é para as gostosas, Maria. Temos que começar cedo para garantir isso! Eu geralmente me arrumava com as meninas, mas hoje é só nós duas. Então bora! — Digo, empurrando-a suavemente para o banheiro.

Assim que ela sai do banho, começo sua produção. Deixo seu cabelo solto, secando naturalmente, com ondas leves. O vestido preto curto abraça suas curvas, os detalhes de renda no decote e na barra dão um toque provocante. A capa de veludo vermelho cai até suas coxas, destacando sua pele bronzeada, enquanto as botas de couro preto de salto fino completam o visual.

A maquiagem destacava o olhar com tons bordô e dourado, e os lábios vermelho profundo destacavam sua confiança. A pequena cesta de madeira que ela segura dá o toque final ao visual de Chapeuzinho Vermelho.

— Fiu-fiu. — Comento, satisfeita com minha própria obra.

— Essa Chapeuzinho não veio para passear, ela veio incendiar. — Acrescento, rindo da minha própria piada enquanto Maria dança na frente do espelho.

— Espere eu me arrumar para sairmos, ok? — Falo, indo direto para o chuveiro sem esperar resposta.

Saio do banho em menos de dez minutos. Para a maquiagem, opto por algo leve, mas conceitual: sombras brancas e prateadas iluminam meus olhos, enquanto um delineado branco fino destaca meu olhar. Nos lábios, um gloss perolado reflete a luz, e um pequeno desenho de estrela ao lado do olho completa o visual.

Depois, decido finalizar meu cabelo. Passo os dedos pelas mechas longas e bronzeadas, modelando-as em ondas suaves que caem até minha cintura. Com o volume certo e o brilho dos fios, parecia que a noite já tinha me escolhido.

Visto o corset branco bordado com detalhes prateados, que delineia minha cintura como uma segunda pele. Combino com um short curto de cetim branco, provocante na medida certa. Nos pés, botas brancas justas até os joelhos, modernas e elegantes. Para finalizar, as luvas de cetim sobem até os cotovelos, e, claro, as asas: feitas de penas brancas que se estendem até minha cintura, leves e delicadas.

Quando me olho no espelho, sinto que estou flertando com a inocência e o pecado ao mesmo tempo. Esse anjo é meu reflexo, mas também meu convite para algo que não sei se estou pronta. Será que ele vai me ver assim? Será que vai estar lá?

O grito de Higor ecoa pelo quarto, me puxando de volta à realidade. Hora de partir! Sem pensar em Matteo, Corpo Seco ou Caio. Só Helena indo se divertir... ou mais.

— Mais cinco minutos e sairemos sem vocês! — ele grita, mais para me irritar do que qualquer outra coisa. E consegue.

Eu bufo, pego meu telefone e me viro de lado, inclinando o corpo para destacar as asas na foto. Seguro os cabelos com uma mão, deixando as ondas caírem com um ar quase inocente, enquanto faço um biquinho que provoca na medida certa.

Envio a foto com a legenda:
"E aí, gostosas, vou salvar almas ou perder a minha hoje? Quem aposta?"

Logo depois, mando outra:
"PS: Se eu não voltar antes do amanhecer, encontrei algo muito interessante... ou ele me encontrou primeiro."

Sorrio satisfeita enquanto saio do quarto com Maria logo atrás, rindo e comentando sobre a foto que acabei de tirar. E daí? Halloween é pra brincar com o perigo... e talvez gostar disso.

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora