Helena estava ao meu lado, encostada no meu ombro, e a sensação de vê-la tão próxima, tão inconsciente do que significava para mim, quase me fazia esquecer a leveza da madrugada ao nosso redor. Ela era tudo o que eu queria, e estava ali, mas o desconforto me corroía, como um veneno que só se intensificava com o tempo. Eu a observava de canto de olho, o rosto dela iluminado pelo amanhecer, e uma parte de mim queria que ela entendesse, que ela sentisse o que era estar assim, com algo tão perto, mas ao mesmo tempo tão distante.
Quando os outros começaram a se dispersar, senti a irritação crescer dentro de mim. Eles não eram necessários. Só eu importava — só eu era constante, mas ela ainda não via isso.
— Que tal uma caminhada? — sugeri, controlando a intensidade da minha voz, fingindo leveza. Eu precisava de mais tempo com ela, e não iria perdê-la agora, não para um punhado de horas de sono.
Ela hesitou, mas cedeu com um aceno leve. O sorriso que me escapou foi inevitável; tinha a sensação de que, mesmo sem querer, ela me escolhia, que ainda estava ao meu lado. Caminhávamos em silêncio, e aquele silêncio era tudo o que eu precisava para me lembrar do que era tê-la perto. Eu podia sentir a respiração dela, o calor do corpo tão próximo que era quase como se me pertencesse, como sempre deveria ter pertencido.
Mas, como sempre, Helena tinha a tendência de se desviar, de ficar distante, como se procurasse algo além de mim. Ele, talvez? Essa insistência de Matteo em rondá-la era o suficiente para me fazer querer acabar com qualquer laço que ele tentasse criar com ela. O pensamento era quase reconfortante. Eu sabia o que fazer para impedir isso. Eu sempre soube.
Então, ela tropeçou numa raiz, e minha mão estava lá, segurando-a antes que caísse. Era o que eu sempre fazia: segurava-a quando ela hesitava. Enquanto a ajudava a se equilibrar, meus dedos firmes em seu braço, aproveitei o instante e toquei o rosto dela, erguendo-o para que me olhasse. Eu queria ver se ela lembrava, se algo em seu olhar revelava que ela entendia — que ela sabia. Como poderia esquecer?
— Você anda tão cabisbaixa — murmurei, quase em tom de censura, mas com um toque de suavidade que apenas eu sabia usar. — Parece que está em outro lugar.
Ela desviou o olhar, como se guardasse algo de mim, e aquela distância me incomodou mais do que deveria. Talvez ela realmente não lembrasse. Talvez ainda não soubesse que esse nosso caminho era inevitável, que ela estava comigo antes e que ficaria comigo. Eu faria o que fosse necessário, o que fosse preciso para garantir isso. Matteo e qualquer outro não passavam de sombras, que poderiam desaparecer ao menor sinal de confronto.
Helena respirou fundo e, em voz baixa, murmurou algo sobre medo de perder pessoas. A ironia me fez quase sorrir. Ela não entendia, ainda? Não havia nada que ela pudesse fazer para me perder. Eu sempre estaria aqui, sempre a teria ao meu lado, mesmo que isso custasse tudo que ela pensava ser importante.
— Você não vai me perder — sussurrei, com uma certeza que não pretendia disfarçar. — Eu tô aqui.
Me aproximei um pouco mais, querendo que ela sentisse o peso daquelas palavras, que visse nos meus olhos que isso era mais que uma promessa. Era um fato, algo que ela não tinha poder para alterar. Por um instante, ela se permitiu relaxar, os olhos abaixando um pouco, os lábios entreabertos — e a dúvida dela quase se dissipou. Mas então ela desviou, como sempre fazia, e a sombra da hesitação apareceu mais uma vez. A frustração latejou em mim, mas mantive o controle. Haveria tempo. Ela não poderia fugir disso para sempre.
Com um sorriso forçado, dei um passo atrás.
— Vamos voltar antes que alguém sinta nossa falta — sugeri, mantendo o tom descontraído.
Antes que ela pudesse responder, saí correndo, lançando um olhar por cima do ombro, tentando parecer despreocupado. Ela riu e veio atrás, e, naquele riso, eu soube que, por enquanto, tinha o que precisava.
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Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo Seco
Fantasy-vote e comente se gostar💋- O Corpo Seco é uma lenda do folclore brasileiro sobre um espírito amaldiçoado que, devido às suas maldades em vida, foi rejeitado pelo céu, pelo inferno e até pela própria terra. Condenado a vagar eternamente, ele assomb...