Capítulo Dezenove

5 0 0
                                    

Por um segundo, eu estava presa naquele momento. O toque de Matteo ainda parecia vibrar na minha pele, o cheiro dele, a proximidade. Tudo ao meu redor tinha desaparecido, e era como se o mundo se resumisse a nós dois ali, a centímetros de distância, dividindo o mesmo ar. Meu coração batia tão forte que eu mal conseguia ouvir meus próprios pensamentos.

Mas, então, uma voz familiar cortou o silêncio.

— Helena? Onde você tá?

O som da voz de Caio foi como um balde de água fria. Pisquei, voltando para a realidade, e percebi o quão próxima estava de Matteo. Me afastei um pouco, sentindo o calor subir ao rosto. Matteo, por sua vez, fechou a expressão no mesmo instante em que ouviu Caio, como se uma sombra tivesse passado pelo seu rosto. A mão que ele usava para ajeitar meu cabelo desceu devagar, e o olhar que ele lançou em direção à entrada da barraca ficou pesado, sério.

— Caio... — murmurei, tentando recuperar o fôlego e afastar a sensação de que ele tinha nos interrompido no meio de algo.

Em questão de segundos, Caio apareceu do lado de fora da barraca, as sobrancelhas levantadas e um sorriso que beirava o deboche. Os olhos dele foram de mim para Matteo, e percebi o instante exato em que notou que Matteo estava sem camisa. Uma risadinha escapou, e ele ergueu uma sobrancelha, o sorriso se tornando provocador.

— Ah, interrompi alguma coisa? — ele perguntou, a voz leve, mas o olhar carregado de significado, passando de mim para Matteo.

Ótimo, Helena, justo o que eu precisava. Eu me forcei a parecer tranquila.

— Só vim ver se estava tudo bem com ele — respondi rápido demais, tentando soar casual, mas soando tudo, menos isso.

Caio balançou a cabeça, ainda sorrindo, mas sem insistir. Depois, estendeu a mão para mim.

— Vamos, Helena — ele disse, com o sorriso suavizando um pouco, mas os olhos não perdiam a malícia. — O sol está quase nascendo.

Olhei para a mão estendida e, sem pensar demais, aceitei, deixando que ele me ajudasse a levantar. O toque era firme, quente, um pouco mais demorado do que o necessário. Caio apertou meus dedos com leveza, puxando-me para fora da barraca. E, enquanto me afastava, senti o olhar de Matteo ainda cravado em mim, como se quisesse dizer algo ou talvez só tentando entender o que aquilo tudo significava.

O ar fora da barraca estava gelado e fresco, um contraste nítido com o calor abafado que tinha se acumulado lá dentro. Soltei a mão de Caio devagar, ainda tentando organizar o turbilhão de pensamentos na minha cabeça. O céu estava escuro, mas uma primeira luz suave começava a surgir, anunciando o amanhecer.

Aquele frio me atingiu de uma maneira inesperada, e voltei rapidamente para a barraca para pegar uma blusa. Ao me ver no espelho pequeno, o cabelo todo bagunçado, me dei conta do quão corrida eu estava, tão preocupada em seguir os outros que nem me preocupei em me arrumar. Suspirei, ajeitando as mechas da melhor forma, mas sentindo uma pontada de dúvida. Por que eu estava tão ansiosa em impressionar... alguém?

Um som suave de risada atrás de mim me fez virar. Caio estava na entrada, me observando com aquele sorriso divertido, mas genuíno, como se ele realmente achasse graça em me ver assim.

— Esse seu jeito desarrumado até que é fofo — ele disse, ainda rindo, enquanto eu fazia uma careta e passava a blusa pelos ombros.

Revirei os olhos, mas senti o rosto esquentar levemente. — Vai implicar com alguém mais — murmurei, tentando parecer despreocupada, embora soubesse que ele notou minha reação.

Saí da barraca ao lado dele, e seguimos em direção ao tronco caído que usaríamos como banco para esperar o nascer do sol. Mesmo com a blusa, o vento frio me fazia tremer, e Caio percebeu antes que eu pudesse disfarçar.

— Tá com frio? — ele perguntou, e antes que eu pudesse responder, ele abriu o braço e me puxou para mais perto. O gesto foi tão natural e inesperado que me permiti relaxar, aconchegando-me contra ele. O calor do corpo de Caio me envolvia, e por um segundo, senti o peso do vento frio desaparecer.

— Melhor assim? — ele perguntou baixinho, com um sorriso leve no rosto enquanto me olhava de canto.

— Bem melhor — respondi, mantendo o tom casual, surpresa com a simplicidade do gesto e como ele tornava o momento mais confortável.

O céu começava a clarear devagar, e ficamos em silêncio, cada um observando o horizonte.

Do outro lado do tronco, Higor estava observando discretamente, seu rosto carregado por uma tensão que ele não disfarçava bem. Quando Caio e eu nos aproximamos, percebi que ele desviava o olhar rapidamente, mas o incômodo estava ali, evidente. Eu me perguntei o que ele achava de tudo isso. De mim, dele... de Maria. Era como se cada um de nós estivesse andando em círculos, mas sem nunca realmente se encontrar.

Maria, talvez notando o incômodo de Higor, tocou seu braço com uma suavidade que parecia trazer um equilíbrio. — Tá frio, né? — ela comentou, puxando conversa para aliviar o silêncio que pesava ao redor.

Higor assentiu, e num gesto quase automático, tirou o cachecol e o estendeu para ela. Maria sorriu de um jeito breve, quase tímido, mas aceitou o cachecol sem hesitar, enrolando-o ao redor dos ombros.

— Obrigada, Higor — disse, a voz suave, o olhar em Higor por um instante mais longo do que o normal.

Na ponta do tronco, Ana e Lucas conversavam em voz baixa, rindo entre si como se o resto do grupo nem existisse. Lucas parecia fazer algum comentário sobre o amanhecer, e Ana se encolhia de frio, mas com um sorriso nos lábios.

Finalmente, Matteo apareceu, um pouco mais afastado do grupo, observando em silêncio. Mesmo sem dizer nada, eu podia sentir o olhar dele passar de Caio para mim, depois para Higor e Maria, como se ele estivesse calculando cada detalhe. Quando nossos olhares se cruzaram, senti um calafrio percorrer minha espinha. Era difícil ler o que ele estava pensando, mas, por algum motivo, meu coração reagia a isso de um jeito que eu não entendia.

Enquanto o céu lentamente mudava de cor, percebi que, de alguma forma, estávamos todos ali, presos em algo mais profundo. Uma espera silenciosa, cada um em seu próprio mundo, todos ligados por uma tensão invisível que parecia ecoar na primeira luz do dia.

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora