Capítulo Dezessete

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Cansada de olhar para aquela imagem no caderno — tão parecida comigo e ainda assim totalmente inútil — fechei o livro com um suspiro exasperado. Sério, o que eu esperava encontrar? Respostas escritas com tinta mágica? Não foi deixado uma assinatura; se quisessem que eu soubesse algo, deveriam no mínimo ter deixado uma. Mas mal fechei os olhos e lá estava eu novamente, puxada para aquele lugar que parecia sair direto de um filme de terror barato. A floresta.

O cheiro de terra úmida e folhas mortas grudava em mim de um jeito repulsivo, e o ar era tão pesado que parecia me sufocar a cada passo. As sombras das árvores se estendiam em todas as direções, como se estivessem me cercando, e eu sentia aquela presença incômoda, aquela coisa observando tudo o que eu fazia. A cada noite, tudo ficava mais intenso, como se a floresta estivesse ficando... mais viva.

Avancei, sentindo o coração batendo como um tambor, a respiração pesada como se estivesse presa a um elefante. Admito, estava apavorada, mas não ia dar o braço a torcer, nem para mim mesma. E então, lá estava ele. A figura encapuzada, tão imersa nas sombras que eu mal conseguia distinguir o contorno. Nenhum rosto, nada além de uma escuridão vazia e sufocante. Quem — ou o que — era ele? Isso ainda é humano? Melhor nem pensar sobre isso.

Senti um frio na espinha e, mesmo assim, respirei fundo, forçando um tom de voz que soava mais irritado do que assustado.

— Você de novo? Sério, não tem nada melhor pra fazer?

Ele inclinou a cabeça, e mesmo sem rosto, eu sentia aquela coisa se fixar em mim, como se estivesse buscando algo dentro de mim, quase como se pudesse ler minha alma — ou me condenar. Um arrepio percorreu minha espinha, e desta vez, tive que me concentrar para não deixar o medo transparecer. Eu era Helena, afinal. Mas não ia deixar uma sombra encapuzada me intimidar tão fácil.

Então, ele finalmente falou. A voz grave ecoou na floresta, carregada de uma raiva fria, mas havia algo mais ali — um tom que beirava o arrependimento, quase como uma confissão sombria que ele não queria fazer.

— Helena... quantas vezes mais você precisa voltar para entender? Este lugar... não é para você.

As palavras pairaram no ar, firmes como um aviso, mas carregadas de algo que eu não conseguia nomear, quase como se ele estivesse... culpado? A ideia me intrigava e me irritava ao mesmo tempo. Algo estava muito errado, e a sensação de que ele tinha algo a ver com isso fazia minha paciência desaparecer.

Revirei os olhos, sentindo o sarcasmo escapar antes que eu pudesse evitar.

— Então me deixa em paz e para de me puxar pra cá. Parece que é você quem não entendeu. — Isso seria resolvido facilmente se ELE me deixasse em paz! Porque age como se não me quisesse aqui?!

A escuridão sob o capuz pareceu estremecer por um segundo, e ele deu um passo à frente. O gesto era lento, quase calculado, mas intenso o suficiente para fazer meu coração pular. Meu corpo reagiu antes de mim, e dei um passo para trás, o medo finalmente quebrando a fachada que eu tentava manter. Ele parecia ainda maior, e mesmo sem rosto, a ameaça que emanava dele era avassaladora, como se a própria escuridão ao seu redor tivesse vontade própria, pronta para me envolver e me manter ali para sempre.

Minha boca ficou seca, e o desafio que tentei mostrar antes desapareceu, substituído por um medo que não consegui disfarçar. Mas ele continuou, a voz mergulhando num tom sombrio que me fez estremecer.

— Você não entende... há coisas que não podem ser desfeitas. Nem eu posso protegê-la se continuar insistindo.

Aquelas palavras tinham um peso cortante, e algo na voz dele sugeria que aquilo não era apenas um aviso... era uma verdade dolorosa. Mas havia algo mais — uma sombra de dor que ele não conseguia esconder. Sua voz abaixou, quase como um sussurro, carregada de algum tipo de dor antiga, algo que parecia o corroer por dentro.

— Algumas escolhas cobram um preço... que ninguém deveria precisar pagar.

A angústia na voz dele me deixou paralisada. Senti um frio invadir meu corpo, uma sensação estranha, quase familiar, que fazia meu coração bater mais rápido. Não era só medo; algo desconhecido se agitou dentro de mim, como se aquelas palavras escondessem um segredo que eu quase reconhecia, mas não conseguia alcançar. Eu quis responder, mas as palavras desapareceram da minha boca. Antes que eu pudesse sequer formar um pensamento, ele ergueu uma mão ossuda, apontando em minha direção, e as sombras ao redor se aproximaram, sufocantes, como se fossem engolir cada parte de mim.

— Não volte aqui, Helena. Eu... não posso salvá-la, nem de mim, nem do que está por vir.

Aquelas palavras ficaram no ar, uma advertência sombria e ao mesmo tempo... familiar, como se ele estivesse tentando me proteger e me afastar ao mesmo tempo. E num instante, fui arrancada daquele lugar e despertei com um solavanco na barraca. Meu peito subia e descia em desespero, e as palavras dele ainda ecoavam na minha mente. Pela primeira vez, o medo parecia se misturar com algo mais profundo, como se ele e eu estivéssemos ligados de uma maneira que eu não conseguia explicar — e que talvez nunca fosse possível entender.

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora