Capítulo Quatorze

18 2 1
                                    

Saímos da sorveteria, o céu tingido de laranja com o sol prestes a desaparecer no horizonte. A brisa da noite se misturava ao cheiro adocicado do sorvete que ainda pairava no ar, mas minha mente estava longe. Eu tentava me concentrar em qualquer coisa que não fosse a sensação incômoda de estar sendo observada. Caio não desviava os olhos de mim, e isso me fazia sentir ainda mais nervosa.

— Vamos passar no mercado para comprar algo para o café da manhã? — sugeriu Ana, tentando aliviar a tensão com seu entusiasmo habitual.

Fizemos uma breve parada no mercado mais próximo. Lá dentro, Caio estava sempre por perto, o que aumentava meu desconforto. Ele me seguia de perto nos corredores, fazendo pequenos comentários que tentavam ser casuais, mas não conseguia esconder a intensidade em seus gestos. A forma como ele olhava para mim, sempre esperando uma reação, era sufocante. Não era agressivo, mas havia algo insistente em sua atenção, algo que me fazia querer desaparecer entre as prateleiras de produtos.

Peguei a primeira coisa que vi na prateleira e me afastei. Senti os olhos de Caio ainda em mim, e isso apenas aumentou meu nervosismo. Matteo estava a uma distância confortável, mas eu sabia que, assim que voltássemos para o carro, estaria presa novamente entre os dois.

Depois de pegarmos tudo, seguimos para casa para arrumar nossas mochilas. Eu precisava pegar minha barraca com maria e avisar meu pai e tios que passaria a noite fora. O clima estava leve entre os outros, mas a presença de Caio e Matteo tornava tudo mais complicado.

Ana e Lucas estavam prontos e colocaram suas mochilas no carro, animados para a aventura. — Vamos de moto! — anunciou Ana, rindo enquanto ela e Lucas subiam na motocicleta. — Vai ser mais divertido assim!

Entrei no carro e me posicionei entre Caio e Matteo, uma sensação de claustrofobia se instalando. O carro partiu, e a moto de Ana e Lucas nos seguiu de perto pela estrada. A música que tocava no rádio parecia ecoar meu estado interno, enquanto tentava me concentrar em qualquer coisa além da proximidade física dos dois.

Caio parecia relaxado, falando animadamente sobre o que faríamos à noite. — Vamos preparar um bom jantar e, se der, fazer uma fogueira! — ele dizia, com um brilho nos olhos. Mas, enquanto suas palavras eram cheias de entusiasmo, eu não conseguia ignorar o fato de que seu olhar frequentemente se voltava para mim, como se estivesse tentando ler meus pensamentos.

Matteo, por outro lado, mantinha-se sério, mas a tensão em seu corpo era palpável. Ele observava tudo com um ar de desconforto, e eu não sabia se ele estava mais preocupado com o que Caio estava fazendo ou com a situação entre nós. Quando o carro fez uma curva, eu me encostei no banco, sentindo a pressão de estar entre os dois.

Olhei pela janela, tentando absorver a paisagem. As árvores tornavam-se mais altas e escuras à medida que nos aproximávamos do pico. Meu coração acelerava não apenas pela expectativa do acampamento, mas pela proximidade forçada de Caio e Matteo.

Foi então que senti um leve movimento ao meu lado. Matteo se inclinou ligeiramente em minha direção,seu rosto tão proximo ao meu que conseguia ver sua respiração, meu corpo ficou tenso. Olhei rapidamente para ele, sentindo seu olhar atento, mas não consegui sustentar o contato. A pressão de sua presença era intensa, e a maneira como ele me observava me fez sentir vulnerável.

— Você está bem? — Sua voz saiu baixa, quase perdida no ruído do carro. Eu hesitei antes de responder. O olhar de Caio estava fixo em mim, mas havia uma expectativa diferente em seus olhos, algo que me fazia sentir que ele estava sempre em busca de algo mais profundo.

— Estou... só... um pouco nervosa — consegui finalmente dizer, mas não sei se consegui transmitir a real profundidade do que sentia.

Matteo assentiu devagar, como se entendesse exatamente o que eu queria dizer. O silêncio entre nós não era opressor, mas sim um espaço carregado de significado. E a resposta que ele poderia ter dado me pareceu tão importante.

— Ninguém esta te obrigando a ir, você poderia ter recusado— disse ele, ainda com aquele tom de voz calmo e controlado. Isso me pegou de surpresa. Era uma oferta genuína, um gesto que indicava que ele realmente se importava.

Caio, que estava ouvindo, franziu a testa e olhou rapidamente para Matteo. Havia uma sombra de descontentamento em seu olhar, mas logo se recompôs e tentou rir. — Ah, não é para tanto! Você vai adorar!

— Eu... acho que quero ir. — Admiti, quase um sussurro, mas meu coração batia forte com a revelação. Havia algo libertador em expressar esse desejo, mas a pressão dos olhares me deixava ainda mais ansiosa.

Caio parecia satisfeito com minha resposta, seu sorriso se ampliando, enquanto Matteo manteve seu olhar fixo em mim. Havia algo de reconfortante em sua presença, mesmo que eu não conseguisse decifrá-la completamente.

Voltei a olhar pela janela, tentando processar a troca. O silêncio entre nós se tornou uma dança de emoções, e percebi que a dinâmica estava mudando. Matteo não era apenas uma presença distante, mas alguém que se importava de verdade, e essa descoberta estava me deixando confusa.

O carro continuou seu caminho, e eu sabia que a noite estava apenas começando.

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora