Capítulo Dezoito

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Meu corpo parecia não responder. Eu estava deitada na barraca, mas tudo ao meu redor ainda era um borrão, um espaço suspenso entre a floresta e o acampamento. Era como se a escuridão da floresta tivesse ficado grudada no teto da barraca, pairando sobre mim. O ar continuava pesado, opressivo, esmagando meu peito.

Tentei me mexer, mas meu corpo estava preso, como se não tivesse voltado direito, ainda perdido naquele lugar. Meus pulmões ardiam. O ar era tão denso que parecia impossível respirar, e meu peito subia e descia sem controle, cada vez mais rápido, cada vez mais desesperado.

— Você está aqui... está na barraca — tentei murmurar, mas o som da minha voz nem parecia meu.

As sombras ao meu redor pareciam se esticar, me observando, prontas para me arrastar de volta para lá. Meu coração batia tão forte que eu podia sentir as batidas ecoando na cabeça, nos braços, nas pernas, até nas pontas dos dedos. Tudo em mim estava tremendo, e cada vez que eu fechava os olhos, ele estava lá. A presença, o encapuzado, o aviso dele... Era como se estivesse ao meu lado, me encarando, me prendendo entre o sonho e o mundo real.

Tentei inspirar fundo, mas o ar parecia um nó apertado na minha garganta. Meus pulmões imploravam, cada respiração ficando mais curta, mais desesperada. Era como se eu fosse me afogar ali mesmo. Meus dedos agarravam o tecido do saco de dormir, buscando alguma âncora que me segurasse aqui, alguma coisa que me lembrasse que eu estava no acampamento, com outras pessoas ao redor.

Fechei os olhos com força, tentando puxar o ar devagar.

— Está tudo bem. Você está aqui — repeti mentalmente, com o pouco de controle que ainda restava. A cada respiração, ainda entrecortada, as sombras pareciam recuar um pouco, o sufoco lentamente se dissolvendo.

Eu ainda estava aqui.

Fiquei ali, respirando o ar frio que aos poucos voltava a preencher meus pulmões, sentindo o tremor nas mãos diminuir. Aos poucos, os sons do acampamento começaram a fazer sentido: o farfalhar suave das árvores, o ruído distante da água correndo em algum lugar ali perto. As sombras se dissipavam, e eu lembrava onde estava de verdade. Eu estava na barraca. No acampamento.

Passei a mão no rosto, ainda sentindo o calor das lágrimas que nem percebi que tinham caído. Meu corpo estava exausto, como se eu tivesse corrido uma maratona — mas minha mente, ela estava alerta. Eu sabia que não tinha dormido de verdade; nem parecia que eu tinha descansado. E, ainda assim, lá fora, o céu já começava a clarear.

Apoiei os braços para me levantar, mas ainda estava ofegante. Olhei o relógio no telefone: 4h58. Por mais surreal que fosse, já era quase a hora do nascer do sol.

Tomei um longo fôlego e me sentei, deixando os pés tocarem o chão frio e abraçando os joelhos. Lá fora, o céu clareava numa faixa fina de luz. Todos ainda deviam estar dormindo, e eu era a única acordada — ou, ao menos, era o que eu pensava.

Foi então que uma sombra cruzou meu campo de visão. Meus olhos fixaram na entrada da barraca, onde uma figura escura, quase imperceptível na penumbra, se movia em direção à barraca do Matteo. Franzi o cenho e arregalei os olhos, ainda com a respiração curta, enquanto observava a silhueta entrar, sem hesitar.

Quem...? O pensamento disparou antes mesmo que eu pudesse me conter. Meu coração, que mal tinha se acalmado, voltou a acelerar.

Não sabia ao certo quem era, mas se fosse ele... se fosse aquela sombra, aquele esqueleto, aquela coisa que eu nem sei descrever...

— Não — sussurrei para mim mesma, levantando e saindo da barraca.

Não importava o quanto meu corpo ainda tremesse ou o quanto o medo ainda estivesse ali, grudado em mim como um eco daquela noite. Eu sabia que não podia deixar nada acontecer com Matteo. Não com ele.

Antes que eu pudesse pensar de novo, dei um passo adiante.

Aproximei-me ainda mais, tentando ignorar o arrepio gelado que subia pela minha espinha. Quando cheguei à entrada da barraca, minha respiração ficou presa no peito. Matteo estava ali dentro, mas... tudo parecia normal. Não era a sombra; era só ele. E ele...

Estava de costas para mim, sem camisa e vestindo apenas uma cueca box bordô, a luz suave da manhã desenhando as linhas de suas costas e dos ombros, tensos, como se ele tivesse acabado de acordar de um pesadelo. A imagem me pegou de surpresa, e eu me senti... hipnotizada.

O frio ainda parecia grudado no ar, mas eu tentava lutar contra a sensação, lembrando a mim mesma que era só ele. Só o Matteo. Respirei fundo, mas meus pulmões pareciam querer trair a ordem, e meus olhos, por algum motivo, continuavam fixos nele, em cada detalhe que eu já deveria estar acostumada a ver.

Antes que eu pudesse desviar o olhar — ou pensar no que estava fazendo ali — ele se virou. Seus olhos se arregalaram um segundo ao me ver na entrada. Por um instante, um brilho de surpresa passou por seu rosto, mas logo ele voltou à expressão neutra de sempre. Ainda assim, vi um leve tremor em sua mão quando ele a levou ao cabelo, empurrando os fios para trás, como se estivesse tentando afastar... algo.

— Helena... — ele falou baixinho, a voz rouca e grave, com o som de quem ainda está voltando à realidade. — O que você está fazendo aqui tão cedo?

Abri a boca para responder, mas as palavras não saíram. Eu continuava ali, os olhos presos nele, tão próximo, tão... ali. Não sabia explicar, mas algo me conectava a ele, como se alguma força insistisse em mantê-lo perto de mim — ainda que algo também me lembrasse de tomar cuidado, mas nesse momento, eu sequer me lembrava o que era.

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora