Capítulo Vinte e Nove

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Depois de quase seis horas de estrada e muita tensão, o carro finalmente parou diante da casa. Desci devagar, esticando as pernas enquanto olhava para a fachada moderna que deveria ser minha casa. Mas algo parecia estranho, diferente. As linhas retas de concreto e vidro ainda eram familiares, mas, depois de tanto tempo fora, parecia que eu não pertencia mais àquele lugar.

Meu Deus, já me tornei uma garota do mato?

— Uau... Então essa é a casa de vocês? — Maria perguntou, olhando para cima com olhos arregalados.

— Impressionante. — Caio comentou, saindo do carro com um assobio baixo. — Não era o que eu esperava, mas definitivamente é legal.

— Que exagero. É normal. — Respondi, pegando minha mala e caminhando em direção à entrada.

Higor já estava na porta, destrancando-a com as chaves que ele sempre carregava.

— Bem-vindos. — Ele disse, empurrando a porta e segurando-a aberta para nós.

Entramos todos, carregando nossas malas e as deixando no canto da sala. O interior estava exatamente como havíamos deixado: os móveis modernos, os tons neutros, o espaço amplo. Era claro que a casa ficou fechada por semanas, mas isso não parecia importar agora.

— Parece um pouco... sem cor. — Maria comentou, olhando ao redor com curiosidade.

— Um mês e meio depois, e nenhuma surpresa. — Higor respondeu, colocando a própria mala perto da escada. Ele olhou para Matteo e Caio.
— O banheiro fica lá em cima, primeira porta à direita, caso precisem.

Caio pegou uma almofada do sofá e brincou:

— Só faltava a gente encontrar uma assombração aqui.

— Só se for você mesmo. — Respondi, com um meio sorriso antes de continuar em direção a sala.

Matteo, encostado em uma das paredes, permanecia em silêncio. Ele observava tudo com atenção, mas parecia mais interessado em me observar do que qualquer outra coisa.

Higor ajeitou os ombros e falou, decidido:

— Nós precisamos sair pra resolver algumas coisas. Negócios da fazenda e algumas pendências do meu pai. Não deve levar mais do que duas horas. Vamos voltar a tempo para a festa e, por favor, sem exageros.

— Sem problemas. — Respondi, sem dar muita importância. Afinal, foi para isso que viemos. Agora, exageros? Ah, ele não perde por esperar.

Matteo seguiu Higor sem dizer nada. Caio, claro, parou perto de mim para soltar seu comentário habitual:

— Cuidado para não desaparecer entre o pó, Helena. — Ele piscou antes de sair, como se nada tivesse acontecido.

Assim que a porta se fechou, o silêncio voltou a preencher a casa.

— Certo. — Maria disse, olhando para mim com um sorriso malicioso. — Agora que eles sumiram, vamos resolver algo mais interessante.

Revirei os olhos, mas a segui escada acima, já sabendo que não tinha como escapar do que ela tinha em mente.

Maria carregou sua própria mala até meu quarto e tirou de dentro sua fantasia, novamente a observando no espelho enquanto cantarolava.

— E então? A minha está decidida, mas e as suas amigas? Te ajudaram? — Perguntou sem tirar os olhos do espelho.

Eu sorri, balançando a cabeça de brincadeira. Espero que essa festa seja boa, pelo menos para ela. Não quero que nada estrague sua noite.

— Sim, elas me ajudaram a decidir, mas será surpresa. Carol já passou aqui e deixou no jardim o que pedi emprestado. E sim, ela tem a chave do portão. Já volto!

Desci as escadas até o primeiro andar e saí pela porta da frente. Assim que olhei para o lado, encontrei a caixa na varanda. Sorri só de pensar no lookinho que iria usar. Pelo menos este ano, Higor não me impediria de me divertir ao máximo.

Peguei a caixa e notei um bilhete dobrado em cima. Provavelmente era uma brincadeira de Carol, ela adorava me provocar. Assim que abri, porém, fiquei tensa.

"Afaste-se.
Afaste-se.
Afaste-se.
Afaste-se.
Afaste-se.
Afaste-se."

Bom, isso com certeza não era obra de Carol. Nem de Sara. Mas quem poderia ter colocado isso aqui? Será que... foi ele querendo me dizer algo?

Guardei o bilhete no bolso da calça, conferi o item e voltei para dentro, verificando a porta por precaução antes de subi-la novamente. Coloquei a caixa no guarda-roupa, longe do alcance de Maria.

— Ah, isso é injusto! Eu preciso saber como você vai! — Ela disse, fazendo biquinho enquanto se jogava na cama.

— Logo você vai saber. Agora acho melhor descansarmos. Vamos começar a nos arrumar mais tarde. Pode ficar aqui; vou descansar na sala. E, por favor, nada de espionar! — Fiz um sinal com os dedos de que estava de olho e saí rindo.

Finalmente em casa. Ao me jogar no sofá gigante e almofadado, percebi o quanto sentia falta disso. Nada melhor do que estar de volta.

Será que devo pedir ao meu pai para voltar de vez? Talvez eu tenha uma chance de viver mais tempo assim. Mas como funciona? Chego aos vinte e... papum, morro? Vou pegar uma doença? Isso está me deixando louca.

Preciso encontrar aquele ser novamente. Mas, ao mesmo tempo, pensar no toque dele — nas mãos ossudas em meu rosto ou me carregando — me causa um arrepio. Um calor inexplicável me envolve, como se, mesmo que eu lutasse, nada pudesse mudar. Mesmo que eu morresse agora, morreria o amando.

Isso é loucura! Como posso amar alguém que nem conheço? Mas a memória daquela Helena ainda vive em mim. Ela o amou tanto que morreria mais um milhão de vezes por ele.

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora