Capítulo Quatro

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Algumas horas se passaram entre brincadeiras e risadas. Matteo olhou para o relógio e suspirou.

— Eu preciso ir. Tenho que acordar cedo amanhã — disse ele, levantando-se lentamente.

Eu sentia uma tensão estranha no ar quando Matteo estava por perto, então apenas assenti. Matteo era um cara sombrio, e nós provavelmente não nos daríamos bem. Ele tem cabelos escuros e desarrumados que caem sobre sua testa, dando-lhe um ar despreocupado e um pouco rebelde. Seus olhos são intensos e expressivos, de um tom castanho profundo que parece penetrar na alma de quem os encara. Ele tem uma estrutura corporal magra e atlética, com ombros largos e uma postura confiante. Ao se aproximar, eu senti seu cheiro. Era picante, mas havia um toque diferente de bergamota. Não era ruim, mas com certeza se adequava à sua personalidade estranha e misteriosa.

— Até mais, Helena — disse ele, de forma quase indiferente.

— Até — respondi, sem tentar esconder minha falta de entusiasmo e matteo bufou e fechou a cara.

Matteo se despediu dos outros e se afastou, deixando-me aliviada por ele ter ido embora. Assim que ele desapareceu na escuridão, Caio, o garoto de cabelo loiro, se levantou com um sorriso travesso.

— Que tal jogarmos verdade ou desafio? — sugeriu ele, animado.
Todos concordaram, e o jogo começou. Risadas e desafios engraçados preencheram o ar. Quando chegou a vez de Maria, ela escolheu desafio, e Higor, seu primo, sorriu de maneira provocativa.

— Maria, eu te desafio a beijar alguém aqui na roda — disse Higor, com um olhar desafiador.

Maria corou, mas aceitou o desafio. Ela olhou ao redor, avaliando suas opções, e finalmente se inclinou para dar um beijo rápido em Caio, que estava ao seu lado. Todos riram e aplaudiram, enquanto Maria se sentava de volta, ainda corada.

Higor desviou o olhar, tentando disfarçar, mas eu percebi a expressão de desapontamento em seu rosto. Por que ele pareceu chateado?

Depois de alguns desafios, chegou a vez de Lucas me desafiar. Ele sorriu de maneira enigmática.

— Helena, eu te desafio a entrar na floresta, dar 15 passos largos e ficar lá por 5 minutos — disse Lucas, com um brilho malicioso nos olhos.

Levantei uma sobrancelha, soltei uma risada sarcástica e revirei os olhos, fazendo um biquinho.

— Ah, por favor, Lucas. Você realmente acha que eu, uma garota da cidade, vou me aventurar nessa floresta escura só porque você quer? — disse eu, com um tom de desdém. — Isso é tão infantil.

Lucas manteve o sorriso, desafiando-me com o olhar. Suspirei dramaticamente, revirando os olhos.

— Tá bom, tá bom. Eu aceito. Mas se eu voltar e não encontrar nenhum monstro, você vai me dever uma grande desculpa por me fazer passar por isso — eu finalmente aceitei, levantando-me com um ar de superioridade e ainda emburrada.

Com todos os olhos em mim, caminhei em direção à borda da floresta. A luz da fogueira começava a desaparecer atrás de mim, e a escuridão da floresta parecia me envolver. Respirei fundo, tentando ignorar o frio na espinha que sentia. Dei os primeiros passos, contando mentalmente.

Um... dois... três...

As árvores altas e escuras pareciam se fechar ao meu redor, e o som da fogueira e das risadas dos outros foi ficando cada vez mais distante. Continuei andando, tentando manter a calma.

Quatro... cinco... seis...

A escuridão era quase total agora, e eu podia ouvir o farfalhar das folhas e o som distante de animais noturnos. Meu coração batia mais rápido, mas eu não queria dar o braço a torcer.

Sete... oito... nove...

Cada passo parecia mais difícil do que o anterior, mas eu continuei.

Finalmente, cheguei ao décimo quinto passo e parei. Olhei ao redor, tentando enxergar algo na escuridão.
Cinco minutos, pensei. Só preciso ficar aqui por cinco minutos.

O silêncio era quase absoluto, quebrado apenas pelo som ocasional de um galho quebrando ou de um animal se movendo. A sensação de estar sendo observada era intensa, e eu me encolhi no meu casaquinho de tricô branco, tentando afastar o medo irracional.

De repente, um galho estalou à minha direita, e eu me virei rapidamente, o coração disparado. Nada. Apenas a escuridão e as sombras das árvores. Respirei fundo e coloquei as mãos sobre o peito, tentando acalmar meus nervos.

— Quem está aí? — minha voz saiu mais trêmula do que eu gostaria. Não se deve mostrar medo ao predador, mas como não ficar com medo nesse lugar?

Nenhuma resposta. Apenas o som do vento passando pelas folhas. Continuei a olhar ao redor, os olhos arregalados e outras vezes semicerrados, tentando enxergar algo na escuridão. Foi então que senti meu pé tropeçar em algo duro e quase caí.

— Ai! Mas que droga! — reclamei, esfregando o tornozelo dolorido e me abaixando para verificar. Olhei para baixo e vi um objeto meio enterrado na terra. Curiosa, comecei a desenterrá-lo com as mãos, sujando meu casaco, minhas mãos e pernas.

— Ah, ótimo. Agora estou suja e machucada — murmurei com lágrimas nos olhos. Estou realmente perdida e com medo? Como pude cair no papo de Lucas?

Finalmente, consegui desenterrar o objeto: um diário antigo, com a capa de couro desgastada. Havia várias marcas de arranhões nele, mordidas e até mesmo... sangue. Abaixei-me e peguei o diário, sentindo a textura áspera do couro sob meus dedos. Abri a primeira página e vi uma caligrafia antiga, quase ilegível. As palavras falavam de uma maldição, mas era a única coisa que eu conseguia entender.

— Que coisa mais bizarra — disse, franzindo a testa e tremendo inteira. Quem estou querendo enganar? Estou morta de medo. — Quem deixaria um diário assim aqui?

Fechei o diário e o coloquei debaixo do braço, decidida a mostrá-lo aos meus amigos quando voltasse. Se fosse algo para pôr a maldição em mim, eu não estaria sozinha. Talvez eles soubessem algo sobre isso, afinal, eles moram aqui há anos e eu só sou... eu. Continuei a olhar ao redor, tentando ignorar o frio na espinha que sentia e a minha respiração curta.

Foi então que vi uma sombra se movendo entre as árvores. Parecia a figura de alguém encapuzado, passando rapidamente por entre os troncos. Meu coração disparou, e eu dei um passo para trás, suando imediatamente, quase tropeçando novamente.

— Quem está aí? — minha voz saiu em um sussurro trêmulo, e lágrimas novamente encheram meus olhos.
A figura parou por um momento, e eu pude ouvir um sussurro aterrorizante, carregado pelo vento:

— É meu... me devolva...

O medo tomou conta de mim, e eu apertei o diário contra o peito, sem saber o que fazer. A figura encapuzada começou a se mover novamente, desta vez vindo em minha direção. O pânico me dominou, e eu virei-me e comecei a correr, o diário ainda apertado contra o peito.

— Não, não, não! — murmurei para mim mesma, tentando afastar o terror que sentia. Eu deveria ter me esforçado mais nas aulas de educação física quando estava na escola, mas não acho que isso mudaria algo, já que já faz um tempo que saí.

Corri o mais rápido que pude, mas a escuridão e as raízes das árvores tornavam difícil manter o equilíbrio. Senti meus pés tropeçarem em algo, e antes que pudesse me segurar, caí no chão com força. Minha cabeça bateu contra uma pedra, e a dor explodiu em minha mente, fazendo tudo ao meu redor começar a girar.

A figura encapuzada se aproximava lentamente, seus sussurros ainda ecoando em meus ouvidos:

— É meu... me devolva... é meu... me devolva... é meu... me devolva...

A voz parecia ficar cada vez mais alta e insistente, como se estivesse dentro da minha cabeça. O terror era insuportável, e a escuridão finalmente me envolveu.

Eu vou morrer assim? Suja e machucada no meio de uma floresta que não tenho ideia onde estou? Alguém virá me encontrar? Meu pai irá se importar? O que eu fiz para merecer isso?

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora