Capítulo Vinte e dois

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Já fazia três dias que eu tentava ignorar o que me esperava ao cair da noite. Três dias sem conseguir fechar os olhos sem que aquele arrepio frio passasse pela minha pele, sem que um peso sombrio caísse sobre mim. E agora, ao encarar meu reflexo, era quase impossível esconder o estrago. As olheiras marcavam meu rosto, os olhos estavam fundos, como se a própria cor tivesse se rendido ao cansaço. E, sinceramente? Talvez eu também estivesse à beira de ceder. Nunca me senti mal pela minha aparência, mas aparentemente nunca é muito tempo.

As pessoas ao redor começaram a notar. Até os desconhecidos olhavam por mais tempo do que o normal. E, cada vez que alguém perguntava se eu estava bem, era como se algo dentro de mim se fragmentasse mais um pouco. Eu tentava sorrir, dizia que era só cansaço — uma mudança de rotina, o trabalho puxado — mas era claro que ninguém acreditava mais.

No quarto dia, passei o dia inteiro tentando ignorar o que me esperava. Mil pensamentos me consumiam, e eu os empurrava para o fundo da mente, buscando desculpas: talvez fosse apenas cansaço, um sonho ruim repetido, uma estranheza passageira, ah, com certeza era a mudança para um lugar totalmente diferente e que eu nem queria estar. Mas, lá no fundo, eu sabia. Sabia que não era simples. Porque aquela presença continuava a me chamar, sempre ao cair da noite, como uma sombra que não me largava, e eu não fazia ideia de como lidar.

Perguntei a mim mesma se estava realmente preparada para isso, ou se era mais uma daquelas vontades insanas que nos levam ao que nem sabemos definir. E a resposta não vinha. Porque era impossível ignorar a pergunta que me atormentava: o que, ou quem, era aquela coisa que me puxava, me tirava da cama sem permissão, me arrastando até o limite da noite? Uma voz no fundo da mente sussurrava que só havia um jeito de saber. Eu precisava de respostas. O que era ele? Por que me chamava? E o que queria de mim, afinal?

A última luz da casa se apagou. No silêncio, em vez do pijama, vesti um longo vestido escuro, que deslizou pela pele como se fosse feito de sombra. O tecido era leve, mas firme, e em algum ponto entre a escolha e o espelho, eu soube: aquilo era uma espécie de armadura, um lembrete de que não podia me dar ao luxo de ser frágil. Não essa noite. Completando o visual, minhas botas pretas, sólidas e firmes. Queria pisar naquele chão de sonho — ou pesadelo — como se estivesse pronta para enfrentar o próprio desconhecido.

Com um último suspiro, deitei na cama e fechei os olhos, deixando que a escuridão me envolvesse. Não sabia exatamente o que esperava encontrar, mas, no fundo, sabia que ela viria. Sabia que, assim que adormecesse, o mundo ao meu redor se tornaria algo familiar e, ao mesmo tempo, aterrorizante.

Por um segundo, o quarto parecia o mesmo. O calor das cobertas, a familiaridade do colchão, a sombra quieta das paredes. Então, senti aquele frio. Um arrepio, como se um vento invisível passasse por mim, me puxando, me guiando. Era como se, de alguma forma, eu estivesse sendo atraída para fora do meu próprio corpo, para fora da realidade.

Quando abri os olhos, meus pés estavam sobre folhas macias e úmidas. Eu estava em uma clareira banhada em luz, com a lua cheia, prateada e imensa, lançando um brilho suave que transformava tudo ao redor. As flores brancas pendiam dos galhos altos, suas pétalas capturando a luz em pequenas faíscas, iluminando o ambiente de um jeito surreal.

Mas então, senti uma presença. Meu corpo inteiro se arrepiou. Ele estava ali, à minha frente, envolto em sombras, mas iluminado pela luz prateada. As linhas de seu manto pareciam se misturar à escuridão, mas o rosto — ou o que quer que estivesse sob o capuz — era apenas uma sombra profunda. Ele me observava, em silêncio, como se soubesse que eu viria. Como se, de alguma forma, sempre tivesse esperado aquele momento.

Eu me sentia completamente nua. Mesmo sem ver seus olhos, sabia que eles me seguiam — a cada passo, cada respiração sufocada. Determinada a chegar até ele, tremi com cada movimento, mas continuei. A sensação de seu olhar me atravessava, se enroscando na minha mente, quase me enlouquecendo. Mas eu precisava fazer isso. Precisava das respostas.

Eu estava a poucos passos dele quando ele quebrou o silêncio.

— Helena... Eu esperava por você esta noite — ele disse, sua voz grave e rouca cortando o ar noturno.

Meu corpo inteiro parou por um segundo. Algo na forma como ele pronunciou meu nome soava... estranho, íntimo demais. Eu nunca disse a ele como me chamava. Mas ele sabia. Sempre soube. Desde a primeira vez que me trouxe para a floresta, ele me chamava pelo nome. Mas... como ele me conhece? Será que fui ingênua em pensar que, depois de todas essas noites, ele não me machucaria? Será que eu mesma caminhei direto para a cova do leão?

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora