XXVII - A dúvida

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O dia que se passou foi o verdadeiro inferno e uma dor de cabeça insuportável deixou tudo ainda pior. Meu corpo definitivamente não estava preparado para passar por tanto estresse, o que me deixou frágil, vulnerável.

Evan veio passar o dia conosco em toda sua solidariedade, porque eu estava prestes a ter um ataque de nervos. Ele fez questão de cozinhar e ajudou Bandit a arrumar a casa, gastando sua folga apenas para me ajudar, como sempre.

Passei o dia inteiro em telefonemas e videochamadas, onde era obrigado a assistir pessoas dando suas ideias de como abafar a situação e fazer com que isso tudo não prejudique a produtora.

Após o incidente, a diretoria tentou minimizar a situação de várias maneiras. Primeiramente, uma declaração oficial foi emitida, na qual o estúdio alegou que estava "investigando o caso internamente" e pediu calma à imprensa, sugerindo que era uma situação mal interpretada.

Além disso, fontes próximas ao estúdio, que eu conheço muito bem, tentaram deslegitimar as acusações, afirmando que o comportamento de Swanson foi "mal compreendido" e que ele sempre foi um defensor da ética no trabalho. A produtora também iniciou uma campanha para destacar suas contribuições ao setor audiovisual, só pra desviar o foco da controvérsia.

Tudo que eu fiz foi tentar não me envolver demais na situação, mas eu já estou envolvido até o pescoço e com a sensação de que preciso me decidir, se é que realmente quero manter alguma credibilidade.

Já Frank, mal falou comigo e eu soube, através de outras pessoas, que ele se recusou a participar das ações promocionais do documentário, assim como a banda Lilia, que segue se posicionando de maneira firme quanto ao episódio ocorrido.

A minha semana se resumiu a fugir de todo esse caos e continuar lendo notícias com Bandit sempre que ela está comigo.

— As pessoas começaram a marcar os patrocinadores, cobrando uma atitude deles — ela disse enquanto assistíamos TV, quando ela voltou da escola.

— Fodeu — falei para mim mesmo.

Eu deveria estar de folga, pois os compromissos relacionados ao documentário foram adiados, mas eu estive trabalhando mais do que nunca, principalmente na tentativa de manter a neutralidade, mas isso não durou muito, porque fui convocado para uma reunião de emergência, presencialmente.

Naquele instante eu soube que preciso fazer alguma coisa, além de preservar o silêncio. O medo de uma retaliação não pode me manter de mãos atadas. Por essa razão, decidi voltar aos estúdios esta manhã e participar da tal reunião de contingência junto ao grupo.

Todos me cumprimentam e, os que ainda não vi, me cumprimentam pelo trabalho, ignorando toda a polêmica. A semana foi intensa e estar nesse lugar suga todas as minhas energias.

Durante a reunião, os executivos da produtora tentam traçar uma estratégia para minimizar os danos, mas eu simplesmente não consigo tolerar todo esse teatro, como se as pessoas fossem estúpidas o suficiente pra comprar essa merda. Quando um deles começa a pedir apoio dos funcionários, solicitando que todos venham a público, postando vídeos em apoio a Swanson, não consigo mais me conter.

— Com todo o respeito, eu gostaria de informar que estou me retirando dessa reunião. Assumir o erro e tentar compensar de alguma forma, colaborando com as investigações seria muito mais ético e ajudaria a limpar a barra da produtora, diferente da tentativa de abafar o problema. — Faço o possível para esconder meu nervosismo, por mais que minhas mãos estejam tremendo.

Falar para pessoas mais "importantes" do que eu, numa sala cheia de engravatados, é sempre uma atitude difícil e eu nem acredito que consegui fazer isso.

A diretoria fica visivelmente desconcertada com a minha posição. Alguns executivos tentam me persuadir a reconsiderar, argumentando que defender Swanson é crucial para a estabilidade da empresa. Eles são como fantoches corporativos, não se importam com as vítimas.

No entanto, me mantenho firme, afirmando que a ética e a integridade são mais importantes do que a imagem da produtora.

Então apenas me levanto, deixando uma dúzia de pessoas embasbacadas, acreditando que eu sou um filho da puta corajoso, mas a realidade é que eu estou apavorado com o que possa acontecer depois.

O pior de tudo foi o fato de que Frank e eu nos desencontramos de novo no meio dessa bagunça. Dessa vez eu me coloco enquanto culpado, afinal também tentei fugir dele, apenas pra evitar mais uma pressão relacionada ao problema. Ele se posicionou desde o início, sem voltar atrás.

O mais impressionante foi como a polêmica fez com que o documentário se popularizasse, trazendo uma nova camada de atenção para o assunto. Outro ponto estranho é que, esporadicamente, algumas pessoas me reconhecem na rua, perguntando se eu sou o diretor daquele 'documentário da briga', que é como alguns se referem.

No momento, tudo que sou capaz de fazer é ficar em casa, quieto, esperando para assistir as cenas dos próximos capítulos, já sabendo que não serão boas para mim. Mais uma vez começo a ignorar as pessoas, evitando convites para entrevistas, depois de já ter dito tudo que vi no dia do caos.

Ligo para Frank, mas ele não me atende. Estou sozinho em casa e tudo parece esquisito, um clima inexplicável, como se eu estivesse preso entre duas dimensões. O maior projeto da minha vida se transformou em um cenário infernal.

Olho para o teto, focando em uma teia de aranha no canto, pensando que a vida dos insetos deve ser mais calma, mas lembrando de que aranhas não são insetos e sim aracnídeos, o que é uma informação completamente irrelevante agora.

Quando me canso dos meus próprios devaneios pego o telefone mais uma vez. "Eu sinto sua falta e preciso ver você. Logo." Digito na mensagem de texto calmamente, mas não chego a enviar. Por que eu não me sinto digno dele agora? Como se não o merecesse? Ele foi tão rápido em decidir ficar do lado certo e eu passei todos esses dias fugindo... Então ele foi embora e nós nem nos despedimos pessoalmente — como eu pude ser tão covarde?

Começo uma pesquisa no site da banda, mas não há shows programados, o que me deixa angustiado. Eu só queria fazer uma surpresa pra ele, qualquer coisa que me ajude a compensar minha atitude ruim, mas eu nem sei como.

Quase sinto falta da minha vida como colunista de quinta categoria. Suspiro, mas, repentinamente, algo me vem à cabeça, uma memória tão simples, mas bonita, tão suave que me faz ficar ainda mais confiante de ter feito o que fiz durante a reunião.

Penso em Frank dizendo que me amava pela primeira vez e como eu briguei com ele por isso, o quanto eu tentava apagar os sentimentos dele por mim, na tentativa estúpida de apagar os meus e resumir nosso relacionamento a um caso passageiro. Sequer poderia descrever o quanto essa memória parece preencher todos os vazios da minha alma, fazendo com que eu comece aceitar, aos poucos, que esse amor continua transcendendo e rastejando através de todos os obstáculos.

Uma memória puxa a outra e, agora, estou mergulhado em todas essas lembranças bobas do tempo que passamos juntos quando nos conhecemos, quando nós sequer sonhávamos em ficar juntos e do tempo depois de ficarmos juntos.

Eu estava tão apaixonado que seria capaz de fazer todo tipo de idiotice. O mais estranho é continuar apaixonado, mesmo depois de tudo, por mais que tenha criado estratégias para me proteger que me impeçam de demonstrar esse sentimento em toda sua potencialidade.

Quando me levanto, estou decidido, porque, por mais que dissesse antes o quanto eu tinha certeza de tudo, sei que estava mentindo, mas dessa vez é diferente, como se eu tivesse feito as pazes comigo mesmo, deixando a dúvida partir para nunca mais.

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⏰ Última atualização: Sep 26 ⏰

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