De onde estou, posso observá-lo dormir tranquilamente. Estou na beirada da ama, quase caindo, vítima do seu sono inquieto e alma espaçosa. Permito-me olhar demoradamente, porque já não me importa se ele vai acordar de repente e fazer alguma piada sobre isso. A verdade é que o mundo poderia se despedaçar e não faria diferença alguma, se eu tivesse mais dez minutos para admirar a maneira como a luz morna e alaranjada da manhã desenha a beleza do homem na minha cama.
Esse é o segundo dia seguido que acordo com ele ao meu lado e a sensação é tão boa, que eu ainda tenho medo de ser uma alucinação. Tantos anos se passaram desde que sentia algo assim, mas agora posso confessar a mim mesmo o quanto eu estou apaixonado. A parte engraçada é estar apaixonado pela mesma pessoa, depois de ter deixado essa emoção enterrada em qualquer lugar que não pudesse vê-la.
O dia de ontem foi tão leve e descomprometido, que com certeza vai sempre morar no meu rol de memórias incríveis. O melhor de tudo é que, quando o sol se pôs, tarde da noite, ele continuou comigo, sem pedir permissão e sem convite formal, apenas se enfiando na minha cama, como se fosse a coisa mais rotineira do mundo. Bandit também pareceu achar completamente normal, como se nós fizéssemos isso sempre e fôssemos seus pais indo dormir no próprio quarto, enquanto ela ia para o dela. Resolvi não questionar, tudo já estava bom o suficiente.
Nós nos deitamos, olhando um para o outro por um bom tempo, como se não houvesse nada mais interessante a fazer no momento. Parecia um relacionamento novinho em folha, sem ressentimentos e cheio de expectativa – talvez seja mesmo isso, mas é difícil acreditar.
É claro que, em algum momento, os dedos dele estariam correndo entre os fios dos meus cabelos e ele me beijaria, como em um sonho adolescente ou qualquer coisa assim. É claro que esse beijo se tornaria uma coisa urgente e mais intensa, porque nós somos assim, e, obviamente, eu teria que conter toda a afobação do meu amante.
— Nós não vamos fazer isso, porque não estamos sozinhos em casa... — foi tudo que pude dizer, ainda tentando me desvencilhar dos seus toques ansiosos.
— Mas a sua casa é absolutamente enorme e o quarto dela fica na outra ponta do corredor! — ele sussurrou, com uma entonação indignada.
— Mesmo assim. Eu não consigo! — foi o único argumento plausível que pude proferir.
— Vai me dizer que nunca trouxe alguém aqui? — ele questionou debochado.
— Você quer a verdade? Não vai ficar magoadinho depois, né? Quer mesmo saber tudo que já rolou nesse colchão em que você tá deitado, na mesa da cozinha e no sofá?
— Não. Manda aí. — sua resposta foi quase um desafio, mas, o conhecendo bem, sabia o quanto isso o deixava afetado.
— A verdade é que não, nunca trouxe alguém aqui. Uma vez um cara veio me trazer em casa, porque eu tava bêbado. Ele foi gentil, mas eu só aceitei porque estava com mais medo de ser morto na rua do que por ele. Esse cara foi o Evan. — Expliquei rindo e recebendo uma careta dele.
— Isso foi de uma imprudência sem tamanho... — a resposta pareceu mais uma demonstração de implicância, do que realmente preocupação.
— Eu sei, tá?
— Mas eu não sou qualquer um. Sou o homem da sua vida. — ele disse com um sorriso tão convencido, que me fez sorrir também. — Você largou sua mulher por mim, ou quase isso. — Completou e eu rolei os olhos.
— Quase isso — concordei.
— Então...?
— Não vai rolar — mantive minha postura. Pode ser que naquele instante fosse mais uma necessidade de me reafirmar, do que qualquer coisa.

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Radioactive
FanfictionTento me afastar, antes que me veja envolto em sua armadilha de novo, mas a minha alma é receptiva, por mais que meu cérebro me alerte para o perigo iminente, até que ele se concretiza e me faz rastejar mais uma vez. [Sequência de Poison]