IV - As mentiras

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- Você disse que o cara da banda que o Derick assistiu é seu amigo, mas por que você não me parece feliz? – eu não queria ter vindo almoçar com Swanson hoje, até tentei sair pela tangente, mas não adiantou muito, o filho da puta fez até questão de pagar.

- Eu não sei, fiquei preocupado de sugerir o nome e parecer que é alguma espécie de coleguismo, não sei... – murmuro sem saber muito bem como me explicar, mas eu costumo mentir com perícia quando se trata de chefes. – Se fosse pra banda ser selecionada, eu queria que fosse porque a equipe viu motivos, não porque eu disse.

- Muito bem – ele toca no meu ombro, aquele gesto que eu tanto odeio, por que forçar aproximação? Isso é constrangedor. – Acho que você vai ser um ótimo coordenador quando eu me aposentar.

Um sorriso amarelo se molda no meu rosto.

- Ah, mas o que seria de nós sem você? Sem chances! – respondo de maneira efusiva, mais uma pequena mentira.

- Bom, eu ainda tenho muita coisa pra fazer, mas vai se preparando pra um cargo maior, porque ele vai chegar.

As palavras do meu atual chefe não saem na minha cabeça e fico me questionando até que ponto ele está falando a verdade e até que ponto ele faz isso para que eu entregue o melhor material possível – nada como uma promessa de promoção para incentivar alguém.

De qualquer maneira procuro adiantar o projeto, junto à equipe, e alinhar a maior parte das nossas questões, porque, obviamente, nem todos concordam com tudo e nós acabamos batendo cabeças às vezes, o que é normal e saudável. A melhor parte é não ter mais reuniões com Swanson, porque eu não aguento mais ver a cara dele.

- Caravan, Lighter, Brigade of burn, Scarlet Moon, Pink Flame, Frnkiero and the Cellabration, The lonely Strangers, Lilia, Dead Luna... É o que temos até agora. – Alana lê, entediada, nossas anotações, enquanto bebe mais um copo gigantesco de café. Todos aqui são viciados, exceto por um ou dois, e eu tenho boa parte na responsabilidade sobre isso, principalmente por fazer todo mundo ficar até tarde de vez em quando.

- Vamos pedir que os estagiários entrem em contato com o membro representante de alguma das bandas – digo para meu assistente, Rodriguez, que anota tudo apressado, como se o mundo fosse explodir daqui a pouco. – Vou mandar a planilha pro Rodriguez e você encaminha pros outros, certo?

- Claro, chefe – eu rio baixo. É engraçado, porque ele é o único que me chama assim e é sempre soa como uma piada, porque eu não me vejo assim.

Depois disso, todos sem preparam para ir embora, foi um dia cheio, mas, felizmente, produtivo.

Chego a casa e já vejo os vestígios da bagunça da minha filha. Desde que ela se tornou uma "quase adulta", como ela adora pontuar, e fica transitando quando quer entre a minha casa e a da mãe dela, eu nunca sei se é um ladrão ou ela que ficou de saco cheio e decidiu vir passar outra semana. Confesso que às vezes preciso expulsar minha própria filha pra ter um pouco de sossego.

- É sério? – digo cruzando os braços e me escorando na parede da cozinha, tem alguma espécie de bomba no forno. – Você vai limpar isso tudo.

- Boa noite, papai querido – ela diz em um sorriso chantagista e eu reviro os olhos.

- Boa noite – respondo impaciente e volto para a sala. Tiro meu notebook da bolsa e começo a vasculhar minhas planilhas, já pensando no que preciso enviar para o resto da equipe.

- E aí? Como foi o seu dia? – a pequena se joga ruidosamente no sofá da sala.

- Tranquilo – respondo sem empolgação, ainda com os olhos no computador.

- Nós vamos pra algum festival esse final de semana? – ela questiona curiosa.

- Não, esse não, mas eu já tenho alguns nomes e logo nós vamos assistir a alguns, vai ser bacana. Provavelmente vamos viajar para pontos diferentes do país, o que acha? – Tento soar empolgado e parece que ela está convencida, porque está sorrindo.

- Isso vai ser demais! – definitivamente ela gostou da ideia. – Você acha que o tio Evan vai com a gente? – Questiona e eu dou de ombros, porque nem tinha pensado nisso. Suponho que Evan tenha ocupações na vida além de me acompanhar por aí.

Ficamos em silêncio por alguns momentos e ela se distrai com o próprio celular, mas depois de algum tempo sinto uma coceira para contar a ela, como se ela fosse a única pessoa com quem eu pudesse compartilhar aquilo de maneira mais próxima, como se ela pudesse entender o que as outras pessoas não entendiam.

- Bandit, você lembra do Frank? – pergunto despretensiosamente em uma naturalidade ensaiada. Quando levanto o rosto a vejo sorrindo.

- Qual deles? Frank Wilson professor de Literatura? Frank Barnes, primo da minha mãe? Frank Scott, o carinha do estacionamento? – ela começa a listar e eu sacudo a cabeça.

- Frank Iero, meu ex, aquele que sua mãe tornava assunto sempre que me via.

- Ah sim! Ele era legal, ele brincava comigo.

- Isso foi só, sei lá, duas vezes, B – tento relembrar, mas parece que as memórias dela estão um pouco modificadas por tantos anos de lavagem cerebral da mãe dela.

- Mas ele ainda era mais legal que o tal de Sanders – ela diz em tom de reclamação.

- Enfim, tanto faz, a questão não é essa. O negócio é que ele tem uma banda, com sucesso razoável e tudo mais. Então ele vai fazer parte do projeto novo, se ele aceitar, é óbvio. – Explico tentando, mais uma vez, soar natural, mas ela consegue observar o fundo da minha alma.

- Eu não acredito que você vai entrevistar meu padrasto! – Bandit pula em mim dando gritinhos animados.

A minha própria filha zomba de mim há anos sobre o "padrasto" dela, principalmente quando digo que não tenho interesse em me relacionar com ninguém. Ah, pai, mas você nem tá tão velho assim, devia arranjar um namorado! É a receita pra me tirar do sério e ela sabe disso muito bem. Não sei de quem ela puxou esse lado irritante, mas provavelmente é da mãe dela. Na verdade essa piada já tinha morrido havia um bom tempo e era fruto do desdém de Lindsey com o meu relacionamento com Frank.

- Sai daqui, garota – respondo antes que ela se afaste. – Não é uma entrevista, é um documentário.

- Por favor, me diz o nome da banda, eu preciso pesquisar! – Ela quase implora, mas eu não estou de bom-humor.

- De jeito nenhum.

- Pai, eu não acredito. Não acredito! – ela continua sorrindo empolgada. – O tio Evan vai ficar desolado, mas ele vai precisar aceitar.

- Eu não devia ter contado nada pra você – digo um pouco revoltado, o que eu podia esperar de uma adolescente? Às vezes eu esqueço que Bandit acabou de sair da infância e não sabe nada da vida.

- Ah, pai, não fica assim! – seus braços me cercam, mas eu a afasto, não tão delicado. Filhos são irritantes.

- Nada disso estaria acontecendo se eu tivesse colocado você na roda dos expostos – digo em tom de reclamação e ela arregala os olhos, falsamente indignada.

- Eu vou contar pra minha mãe!

- Pois conte. A sua avó deveria ter feito o mesmo com ela.

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É, esse capítulo veio mais rápido do que eu esperava também. Não se preocupem, porque no próximo vocês vão matar a saudade de Frankito. <3

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