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-Por que não? -Nicole o afrontou, enquanto eu só observava a cena.

-Porque ela é minha.

Nicole arregalou os olhos, e o sinal da escola tocou, nos fazendo trocar olhares.

Antes que eu pudesse dizer algo, o som de tiroteio começou, e vi Kyan já alerta, a preocupação estampada no rosto.

O som dos disparos ecoou repentinamente, quebrando a calmaria da escola e fazendo com que nós três nos olhássemos, sem entender de imediato o que estava acontecendo. Nicole arregalou os olhos, voltando-se rapidamente para a janela. A rua estava cheia de homens armados.

-Invasão! -Nicole gritou, a voz carregada de pavor.

Antes que eu pudesse reagir, Kyan já estava com o rádinho na mão, a expressão séria e determinada, assumindo o controle da situação como sempre fazia.

-Tô na escolinha. Só tenho uma pistola na cintura. Traz meu fuzil. - Ele falou de forma seca, sem hesitação.

Enquanto ele organizava as defesas, eu continuava parada, tentando processar tudo. O caos estava tomando conta.

-Esse seu namorado filho da puta! - Kyan murmurou, com os olhos sombrios, cheios de ódio. -Quero que esse desgraçado esteja nessa invasão para ele ver o que é bom!

A raiva em sua voz era inconfundível, e por um momento, eu me perguntei se Felipe estaria envolvido nisso. Não era do feitio dele se arriscar assim, pelo menos não que eu soubesse.

Kyan desapareceu do meu campo de visão, correndo pelos corredores da escola. Nicole se aproximou de mim, puxando-me para que eu sentasse no chão ao seu lado, como se isso pudesse nos proteger de todo o inferno que estava prestes a desabar.

-Eu não vou ficar parada, Nicole! - Falei, tentando controlar minha respiração. O som dos gritos e do choro das crianças ecoava pelos corredores, fazendo o meu coração apertar. - Tem crianças inocentes aqui!

Nicole segurou meu braço, tentando me impedir. - Você não pode sair assim! Não tem armamento, nem estrutura. Um tiro, e você morre, Nathalia!

Mas eu não podia ouvir mais nada. Dei as costas para ela e corri.

Os gritos das crianças guiavam meus passos, enquanto eu corria pelos corredores, tentando encontrar onde estavam escondidas. Elas não podiam ir para a casa na frente da escola, onde havia um porão. Então, onde estavam?

Segui o som do choro até chegar a uma sala. Lá estava Kyan, cercado por crianças, todas deitadas no chão, com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. Ele estava agachado, tentando acalmá-las com uma voz surpreendentemente suave.

-O tio vai salvar vocês. Qual foi o dia que eu deixei alguém machucar vocês? -Ele perguntou com um sorriso encorajador, e as crianças o olhavam com esperança. -É chato ter invasão, mas infelizmente acontece. Preciso que fiquem aqui, bem quietinhos, com a tia, tá? -Ele indicou outra professora que estava na sala. - Eu vou voltar, e aí vocês vão poder ir embora, encontrar a mamãe e o papai. Mas agora, façam silêncio. Se eles ouvirem barulho, podem tentar entrar aqui.

Minha visão começou a embaçar pelas lágrimas. Não era só pela situação horrível de ver aquelas crianças aterrorizadas, mas também pelo jeito como Kyan cuidava delas, mostrando um lado que eu raramente via. Por mais cruel e frio que ele fosse no comando do morro, ali, naquele momento, ele era só um homem tentando proteger o que era importante para ele.

Quando ele saiu da sala, seus olhos estavam vermelhos, mas ele mantinha o semblante firme. Eu estava parada no corredor, incapaz de dizer qualquer coisa, observando-o de longe. Ele parecia estar à beira de um colapso emocional, mas, em vez de gritar ou se afastar, ele fez algo inesperado.

Kyan se aproximou de mim e me abraçou.

Foi um abraço forte, desesperado. Eu o senti tremer levemente, e soube naquele momento que, por mais que ele fosse o chefe do morro, ele também era humano. Ele precisava daquele abraço mais do que eu.

Sem hesitar, eu o apertei contra mim. O que eu queria transmitir com aquele abraço era claro: "Estou com você."

O rádinho de Kyan chiou, cortando o momento.

-Tô na escola com os armamentos - A voz de Coringa soou do outro lado, fria e calma.

Eu dei um leve beijo no ombro de Kyan, sussurrando- Vai ficar tudo bem.

Ele respirou fundo, se afastando lentamente, como se o peso do mundo estivesse sobre seus ombros. -Não sai para fora, Nathalia. Não me contraria.

Eu não respondi, mas sabia que ele queria me proteger, como sempre tentava fazer. Sem esperar por uma resposta, Kyan foi embora, indo de encontro a Coringa.

Eu fiquei ali, observando sua figura desaparecer no meio do caos, enquanto os sons dos disparos aumentavam lá fora. O meu coração estava dividido entre a urgência de proteger aquelas crianças e meu desejo de acabar com tudo aquilo.

Mas eu não poderia ficar aqui parada...

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