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Kyan

Estava escuro, mas a luz das balas rasgando o ar iluminava a favela de forma intermitente. Meus olhos se fixaram no horizonte, onde o grupo rival estava recuando, mas eu sabia que ainda não tinham desistido. Não podiam. A luta continuava.

Enquanto avançávamos, ouvi um som agudo cortando o ar. Antes que eu pudesse reagir, senti o impacto no meu ombro. O corpo travou por um segundo, e o calor do sangue começou a se espalhar pela minha camisa.

Porra.

A dor foi imediata, um choque que atravessou todo o meu braço esquerdo, mas eu continuei de pé. Meus homens me cercaram, tentando me proteger enquanto avançávamos pelos becos. Um dos caras me olhou de relance, os olhos arregalados ao ver o sangue pingando, mas eu só balancei a cabeça.

-Continua. -Murmurei, apertando o maxilar. - A gente termina isso agora!

Eu podia sentir a bala alojada, queimando por dentro, mas a adrenalina ainda corria nas veias. O tiro foi certeiro, mas não o suficiente pra me derrubar. Eu já tinha levado coisa pior.

Com a mão livre, apertei o ombro, tentando conter o sangramento. Cada passo fazia a dor aumentar, mas parar não era uma opção. Eles estavam testando a gente, empurrando nossas defesas, querendo ver o quanto podíamos suportar.

Eu não ia dar esse gostinho a eles.

Outro tiro passou raspando pela minha cabeça, e eu me abaixei instintivamente, tomando cobertura atrás de uma parede de concreto rachada. Respirei fundo, o ar entrando com dificuldade agora, cada batida do coração pulsando na ferida.

-chefe!- Ouvi a voz de um dos meus homens gritar ao longe, mas eu o ignorei. Sabia que tinha que manter o foco. Eu podia sentir o sangue escorrendo mais rápido agora, a camisa encharcando, mas não havia espaço pra fraqueza aqui.

Puxei a arma com a mão boa, me levantando devagar. A dor no ombro era uma faca cravada, mas se eles achavam que isso ia me parar, estavam enganados.

Engatilhei a arma, pronto para o próximo ataque. Eu ia sair dessa, mesmo que fosse à força.

...

O caos da batalha estava se acalmando. Os tiros tinham cessado, e agora tudo que restava era o eco distante dos gritos e o cheiro de pólvora impregnado no ar. Eu sabia que tínhamos vencido. Meus homens estavam recolhendo os corpos, garantindo que não havia mais perigo. Mas meu corpo começava a trair minha mente. O tiro no ombro latejava a cada batida do coração, e o sangue não parava de escorrer, manchando minha camisa.

Me apoiei contra a parede de tijolos quebrados, tentando manter o equilíbrio. A dor era intensa, uma queimadura constante, mas eu já tinha passado por coisa pior. Pelo menos, era o que eu dizia a mim mesmo. Enquanto tentava regular minha respiração, vi Nathalia correndo em minha direção. Seus olhos estavam arregalados de pavor, o rosto pálido. Ela parou na minha frente, os olhos imediatamente focando no meu ombro ensanguentado.

- Kyan! - O som da voz dela era urgente, misturado com desespero. -Você foi baleado!

Ela se ajoelhou rapidamente ao meu lado, as mãos tremendo enquanto tentava examinar o ferimento. Sua expressão ficou ainda mais sombria ao ver a quantidade de sangue que escorria. Ela parecia não acreditar no que estava vendo.

-aí meu Deus! Você prometeu voltar bem- A voz dela tremeu de preocupação, as mãos pressionando a ferida na tentativa de estancar o sangue. - A gente precisa te levar a um médico, agora!

Eu tentei sorrir, mas a dor fazia até isso ser difícil.

- Não se preocupa vida- Minha voz saiu fraca, mas firme. - Já passei por coisa pior.

Ela balançou a cabeça, frustrada, enquanto pressionava a camisa contra o ferimento, tentando conter o sangramento. Os olhos dela estavam cheios de medo e angústia. Eu podia sentir que ela estava lutando contra o pânico.

-Você não pode ficar aqui desse jeito! -Nathalia insistiu, a voz dela se tornando mais urgente. -Se continuar perdendo sangue, vai desmaiar!

Eu olhei para ela, respirando fundo, tentando ignorar a dor que agora tomava conta de todo o meu lado esquerdo. A verdade era que eu sabia que ela estava certa. O sangramento não parava, e meu corpo estava começando a enfraquecer. Mas eu não queria mostrar isso pra ela.

- A gente venceu, Nathalia... - murmurei, levando minha mão ensanguentada até o rosto dela, limpando uma mancha de poeira em sua bochecha. - Só preciso garantir que meus homens estão bem.

Ela segurou minha mão, sua expressão uma mistura de medo e determinação.

- E quem garante que você vai ficar bem? -A voz dela era baixa, mas carregada de emoção. - Eu não vou te deixar aqui, Kyan.

Antes que eu pudesse responder, Rodrigo apareceu correndo, ofegante, com o olhar preocupado.

- Chefe, a favela tá limpa. Mas você precisa de ajuda, agora. - Ele olhou para o sangue no meu ombro e depois para Nathalia, percebendo a gravidade da situação.

Nathalia, ainda ajoelhada ao meu lado, olhou de volta para mim, com os olhos cheios de lágrimas que ela tentava segurar. Sua mão ainda pressionava meu ombro, mas eu sabia que aquilo não ia segurar por muito tempo. O olhar dela me atingiu mais do que qualquer dor física. Ela estava apavorada, mas também decidida a não me deixar ali.

Eu sabia que não tinha escolha.

- beleza- cedi, minha voz quase um sussurro. - Vamos sair daqui.

Nathalia me ajudou a levantar, as mãos tremendo enquanto me dava apoio. Quando fiquei de pé, senti minhas pernas quase falharem, mas me segurei. O rosto dela estava próximo do meu, o calor da sua respiração rápida. Ela me olhou uma última vez, seus olhos fixos nos meus.

- Eu vou te ajudar a ir ate o carro- A voz dela estava firme agora, cheia de determinação. - fica acordado kyan!

Meus olhos forçava para fica abertos, eu estava em uma tremenda luta comigo mesmo.

Eu assenti, sem conseguir encontrar as palavras. O vapor veio ao meu lado, pronto para me ajudar, mas antes que ele pudesse se aproximar, Nathalia já estava me apoiando, caminhando comigo para longe do campo de batalha.

Cada passo era uma luta contra a dor, mas com ela ao meu lado, algo dentro de mim se manteve firme.

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