Nathalia
O barulho dos tiros lá fora parecia se aproximar cada vez mais, mas meu corpo permanecia enraizado no chão, como se uma parte de mim quisesse seguir Kyan e outra, mais sensata, me obrigasse a ficar. A tensão no ar era quase palpável. Corri as mãos pelo cabelo, tentando pensar rápido. As crianças estavam trancadas em segurança, mas por quanto tempo?
Nicole apareceu ao meu lado, com a expressão rígida. - Ele te pediu pra não sair, Nathalia. Não se mete.
- Eu não posso ficar aqui parada enquanto eles estão lá fora matando pessoas! - Minhas palavras saíram num sussurro urgente, os olhos fixos no corredor escuro à frente, onde Kyan havia desaparecido.
-Você não vai ajudar ninguém se morrer. -Nicole agarrou meu pulso com força, me forçando a olhar para ela. - Kyan sabe o que tá fazendo.
Soltei meu braço da mão dela, respirando fundo. - E se ele não voltar? E se for a última vez que o vejo?
A verdade dessas palavras caiu sobre mim como um peso esmagador. Desde que Kyan entrou em minha vida, ele tinha me arrastado para esse mundo de violência e caos. E, por mais que eu tentasse resistir, parte de mim estava irremediavelmente presa a ele.
Nicole ficou em silêncio por um segundo, antes de balançar a cabeça. -Ele sempre volta, Nathalia. Sempre.
Mas desta vez parecia diferente. O ataque era ousado demais, a invasão em pleno território que Kyan controlava, em uma escola, era um movimento de guerra declarado. Quem quer que estivesse por trás disso sabia o que estava fazendo. E Felipe... Será que ele estava envolvido?
A possibilidade corroía meus pensamentos. Eu precisava saber.
Antes que pudesse decidir o que fazer, o som de passos apressados ecoou pelo corredor. Coringa apareceu, com o fuzil nas mãos e a expressão impassível. Ele me olhou rapidamente, depois para Nicole.
- Kyan disse pra você ficar aqui, certo? - Sua voz era fria, sem emoção.
Assenti lentamente, mas não consegui esconder minha inquietação. Nunca tinha visto o coringa dessa forma, ele causava medo.
- Então obedece. Isso aqui não é brincadeira de criança. - Ele fez um gesto com a cabeça para a porta dos fundos. - Vão por ali. Se der merda de verdade, saiam com as crianças.
Eu estava prestes a protestar, mas algo na postura de Coringa me fez recuar. Ele e Kyan estavam se preparando para a batalha, e eu sabia que, por mais que quisesse ajudar, minha presença poderia acabar complicando ainda mais as coisas.
Coringa saiu sem dizer mais nada, desaparecendo na direção oposta de onde Kyan havia ido. O som dos tiros do lado de fora ficou mais intenso. O cheiro de pólvora começava a infiltrar o ambiente, fazendo meu estômago revirar.
Olhei para Nicole. Ela estava pálida, mas mantinha a compostura. Por mais que Kyan fosse o líder, eu sabia que ela também tinha seu papel nessa guerra, mesmo que fosse do lado de fora, na retaguarda.
- Vamos para a sala com as crianças. - Eu disse, minha voz mais firme desta vez. - Se algo acontecer, não vou deixar elas sozinhas.
Nicole assentiu, e nós corremos de volta para a sala onde Kyan havia deixado as crianças. Ao abrir a porta, vi que algumas delas já estavam dormindo, exaustas de tanto chorar. A professora, no entanto, olhava para mim com uma mistura de alívio e pavor.
- Tá tudo bem. - Eu menti, tentando soá-la mais tranquila do que me sentia. -Vai ficar tudo bem.
Mas lá no fundo, eu sabia que essa era uma mentira que não podia garantir.
Enquanto o tempo se arrastava, os gritos e tiros do lado de fora diminuíram. Um silêncio repentino tomou conta do ar, o que só piorou meu nervosismo. Algo estava acontecendo.
De repente, o som pesado de uma batida ecoou pela porta da escola.
Meu coração disparou.
-Fica com as crianças. -Murmurei para Nicole e para a professora, antes de caminhar em direção à entrada.
O silêncio lá fora era perturbador. Quando abri a porta, fui recebida pela figura de Kyan, coberto de poeira, uma mancha de sangue escorrendo do lado de seu rosto. Ele tinha um olhar duro, os olhos escurecidos, como se estivesse carregando o peso do mundo.
-Tá tudo bem? -Minha voz soou fraca, incapaz de esconder o medo que eu sentia por dentro.
Ele respirou fundo, passando a mão pelo cabelo ensanguentado.
-Por enquanto, sim. Mas isso foi só o começo. Estão testando nossas defesas.
Fiquei em silêncio, absorvendo as palavras. O que quer que estivesse acontecendo, estava longe de terminar.
Kyan se aproximou lentamente, segurando meu rosto entre as mãos. Eu estava parada na porta ainda,a preocupação crescia no meu peito.
Ele olhou fundo nos meus olhos, como se estivesse procurando algo, talvez um fio de esperança que ele mesmo já havia perdido.
-Não vou deixar nada acontecer- Sua voz estava rouca, mas cheia de determinação. - as crianças vão ficar bem.
Antes que eu pudesse responder, ele me puxou para perto e me beijou. Um beijo desesperado, como se fosse o último. E naquele momento, eu soube que ele estava se preparando para algo maior, algo que nem eu conseguia entender completamente.
Quando ele se afastou, vi a sombra da guerra nos olhos de Kyan. A guerra que ainda estava por vir.
- Agora entra! - Ele murmurou, se afastando. - E não me contraria.
E com isso, ele desapareceu novamente no caos, me deixando ali, sozinha, com a sensação avassaladora de que o pior ainda estava por vir.
VOCÊ ESTÁ LENDO
DOIS
FanfictionNathalia, com sua personalidade forte, tenta superar a morte de seu pai. Ela se aproxima de Felipe, mas, em uma reviravolta inesperada, acaba conhecendo a favela e se depara com seu pior pesadelo: o dono do morro. A partir desse momento, sua vida co...