63

204 12 25
                                    

A fumaça começou a encher o ambiente de forma sutil, mas eu já sabia o que estava por vir. O cheiro de algo queimando se intensificava, e os primeiros murmúrios de confusão começaram a surgir.

Felipe, ao meu lado, ainda não tinha percebido, distraído pelos cumprimentos e risadas dos amigos. Eu observava tudo como se estivesse fora do meu corpo, como se fosse apenas uma espectadora do próprio destino.

Quando as primeiras chamas apareceram ao fundo, rastejando pelas paredes como serpentes famintas, o salão entrou em pânico. Os gritos ecoaram quase instantaneamente, as pessoas empurrando cadeiras, tropeçando umas nas outras para tentar escapar.

Felipe se levantou de imediato, seus olhos vasculhando o ambiente com desespero.

- O que está acontecendo?! - ele gritou, sua voz cheia de medo, enquanto me puxava pelo braço, tentando me levar para a saída. - Precisamos sair daqui agora!

Eu não me movi. Ficava apenas ali, parada, observando o caos ao nosso redor. O fogo era tão fascinante quanto assustador. Tudo pelo que lutei, toda a dor que carreguei, estava culminando naquele momento.

Era a destruição que eu tanto quis, mas, agora que estava diante dela, o vazio dentro de mim só crescia.

Felipe percebeu que eu não estava me mexendo e parou, seus olhos confusos e desesperados se voltando para mim.

-Nathalia! Vamos! A gente precisa sair!

Eu o encarei, e naquele momento, todas as mentiras, traições e dor que ele causou passaram diante de mim. Eu já não sentia nada, nem ódio, nem raiva, nem satisfação. Apenas um estranho sentimento de aceitação.

- Felipe - falei, minha voz calma, quase suave no meio do caos ao nosso redor. - Eu te perguntei duas vezes. Você tinha a chance de me dizer a verdade.

Ele olhou para mim, sem entender, os gritos das pessoas ao fundo ficando cada vez mais altos.

- Do que você está falando? O que você quer dizer com "a verdade"?

-como conseguiu se aproxima de mim depois de ter matado meu pai?- mantenho meu olhar firme enquanto tudo pegava fogo. - como conseguiu me manipular e me trair e dizer que me ama?

A chama refletida nos olhos dele me deu a certeza de que ele estava começando a entender o que estava acontecendo. Mas já era tarde demais.

-Esse incêndio... - continuei, minha voz mais fria agora. -Não é um acidente!

Ele soltou meu braço como se tivesse levado um choque, o medo começando a tomar conta dele.

- Nathalia, o que você fez?

O fogo já estava consumindo tudo ao redor. Eu me virei, finalmente começando a caminhar em direção à saída dos fundos.

As pessoas corriam, empurrando-se desesperadamente, o calor insuportável. Felipe ficou parado por um momento, ainda tentando processar o que estava acontecendo.

-que você queime no inferno, Felipe -disse por fim, sem olhar para trás. - É tarde demais para mentiras.

Caminhei entre as chamas que cresciam rapidamente, sentindo o calor queimar minha pele, mas eu estava estranhamente em paz. A vingança havia sido concluída, e o caos que Kyan tanto mencionava agora tomava conta de tudo ao meu redor.

Estava indo em direção aos fundos, onde foi o combinado com o kyan, ele me esperaria lá fora, eles estavam tão desesperados, que esqueceram das porta dos fundos. Nenhum dos que estavam lá dentro conseguiram escapar.

Tinha certeza que essa notícia iria se espalhar por toda parte, as investigações seriam grandes, mas a gente não deixou nenhum rastros. As câmeras de segurança que tinha pelo os caminhos, foram todas desativadas, então, foi tudo um acidente.

Os gritos de desespero e o barulho dos objetos caindo e estalando ao entrar em combustão preenchiam o restaurante.

Aquele cenário de destruição era exatamente o que eu planejei, mas, em vez de satisfação, o vazio só aumentava. Cada passo que eu dava me distanciava de Felipe, da mentira que vivemos, e me aproximava da ruína que eu sabia que viria em seguida.

Felipe finalmente se mexeu. Ele veio correndo atrás de mim, empurrando as pessoas que tentavam fugir. Seu rosto estava marcado pelo medo e confusão.

- Nathalia, você sabia disso, não é? - ele gritou por cima do caos, tentando me alcançar. - Você planejou isso?

Eu continuei andando, tentando ignorar a voz dele, mas sabia que ele não iria parar.

- Por que você fez isso?! - ele gritou novamente, a voz quebrada pela incredulidade e desespero.

Eu me virei para ele, finalmente parando. Nossos olhares se encontraram no meio do caos, enquanto as chamas continuavam a engolir o restaurante. Havia algo em seus olhos que eu nunca tinha visto antes: vulnerabilidade.

- Você já sabe, Felipe - respondi com frieza, minha voz abafada pelo calor do fogo ao redor. - Eu só queria a verdade. Você não me deu. Agora, isso é tudo o que resta.

Ele parecia em choque, tentando juntar as peças na cabeça, mas não havia mais tempo para explicações. O fogo estava nos cercando, consumindo tudo ao nosso redor, e as pessoas continuavam a correr, algumas já caídas, sufocadas pela fumaça.

- Nathalia... - ele murmurou, sem forças, seu rosto uma mistura de arrependimento e horror. - Você não precisava fazer isso.

Eu o observei por um longo momento. Ele estava ali, o homem que eu pensei em algum momento que pudesse ser parte da minha vida, destruído pela sua própria mentira. Mas eu não tinha mais espaço para piedade.

O incêndio não era só sobre ele. Era sobre mim, sobre a dor que eu carreguei todos esses anos, e a vingança que eu tanto ansiava.

- Você fez suas escolhas - respondi, dando as costas a ele. - Agora, eu fiz as minhas.

Sem olhar para trás, continuei em direção à saída. O fogo rugia ao meu redor, mas eu me movia com uma calma estranha, como se estivesse em câmera lenta. O som dos gritos de Felipe desaparecendo à medida que eu me afastava.

Quando finalmente atravessei as portas do restaurante e senti o ar frio da noite bater no meu rosto, foi como um despertar abrupto.

A melhor parte do plano, foi o Felipe escolher esse restaurante, ele era distante da cidade, era chique mas...era no meio do mato.

Kyan estava lá, parado em sua moto, me observando de longe, com aquele olhar que dizia tudo e nada ao mesmo tempo. Ele sabia o que havia acontecido, sabia que eu tinha seguido o plano até o fim.

Me aproximei dele sem dizer uma palavra. Nossos olhares se cruzaram, e naquele instante, não havia mais necessidade de explicações. Ele entendeu, assim como eu.

O incêndio não tinha trazido a paz que eu tanto desejava. Ao contrário, tinha apenas incendiado tudo ao meu redor, me deixando com o caos que sempre esteve dentro de mim.

- E agora? -ele perguntou, sua voz baixa e grave.

Eu olhei de volta para o restaurante em chamas, os gritos ainda ecoando ao longe. O incêndio estava consumindo tudo, assim como eu sabia que consumiria parte de mim também.

- Agora... -suspirei, sentindo o peso de tudo o que tinha acabado de acontecer. - Não há mais volta.

 - Não há mais volta

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
DOISOnde histórias criam vida. Descubra agora