O confronto

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Meu ego foi totalmente estraçalhado naquele dia. A indiferença de Yaiza e a ambição desmedida de Malotl me atacaram tais quais as vorazes lebres gigantes que há um século não são vistas. Só restaram pedaços de mim naquele dia. Enquanto isso, Tla assistia a tudo quieta como se fosse superior a tudo aquilo e nisso ela tinha razão, porque só me sobraram ela e Hualca.

Eu e minha irmã deixamos o local da reunião sem olhar para trás. Apesar de ela não parecer feliz com tudo aquilo, manteve-se o silêncio. Não sei ao certo se a raiva queimava o espírito de Tla, eu apenas estava ciente de que ela seguiria sua silenciosa vida do mesmo jeito que nossa mãe faria e ensinara. Minha progenitora nos disse que quando a situação estava ruim e não poderia se modificada deveríamos fluir, deixar a vida nos conduzir como o rio que se conduz ao mar. Segundo minha mãe, boa parte da arte de viver era saber ceder e se deixar levar. É vergonhoso admitir, mas eu tinha certo menosprezo a esse ponto de vista de minha progenitora. Entretanto, nesse momento vi que ela não estava totalmente errada.

Contei o ocorrido para Hualca, ele não foi capaz de se controlou e entrou em erupção. Recordo-me que dos seus lábios escorreram todos os impropérios e as maldições conhecidas. Lamentavelmente, meu irmão também confiara em Malotl e a democracia sonhada por ele estava cada vez mais distante. Vi a decepção nos olhos de meu pequeno irmão e ela me pareceu extremamente amarga. Logo depois de extravasar toda sua raiva, ele começou a chorar. Cada lágrima de Hualca doeu em mim. Desejei desesperadamente poder lhe dizer que aquilo era apenas um pesadelo e lembrar-lhe do despertar como o fim de tantos tormentos. Eu gostaria de lhe dar alguma esperança, mas isso não era possível. Porquanto, para mim tudo estava incerto e eu temia que Malotl se tornasse um temível ditador.

Tla foi até Hualca e o abraçou apertado como se assim ela conseguisse o proteger de todos os males. Apenas os observei. Meu irmão caçula ainda poderia pedir proteção para ela, pois ele era praticamente um menino. Eu, no entanto, já era homem feito e tinha vergonha de me mostrar frágil, porque eles eram minha família e eu era o homem da casa. Eu deveria ser forte sempre para poder proteger meu lar.

Vendo que Malotl fez Hualca chorar, decidi falar com meu antigo amigo no dia seguinte com o objetivo de lhe dizer que eu não apoiava o jeito como ele tomou o poder. Porque me doía o fato de Malotl ter enganado a todos, fazendo tudo subliminarmente e fingindo-se de amigo leal e devoto. Decerto, ele jamais contou para mim ou para qualquer como ele chegaria ao poder.

No dia seguinte, durante a manhã fui até o palácio do governo e cheguei a tempo de presenciar um espetáculo tétrico. Havia muita gente aglomerada para ver a execução de um homem e de sua família. Todos deliravam com o possível derramamento de sangue e eu conhecia o condenado: ele era o pai de Pemi.

A família de minha amada corria perigo e eu deveria impedir que os entes de minha querida fossem mortos. Então, com dificuldade consegui me aproximar do local da execução e quando a espada estava quase cortando o pescoço do último governador colonial eu gritei por clemência. Tudo se paralisou e de repente toda a atenção estava voltada para mim. Certamente, Malotl estava muito surpreso. Provavelmente ele não esperava essa minha atitude e nem sonhava com minha presença naquele lugar durante o nascer do dia.

Implorei ao governante de Dai que poupasse a vida dos familiares de Pemi. Entretanto, Malotl não queria deixá-los vivos por ter me prometido que mataria o responsável pelas cicatrizes de minhas costas. Naquele momento, eu tentei fazê-lo poupar a mulher do antigo governador e a pequena criança, porque não eram responsáveis por meus ferimentos e sua execução seria uma injustiça com a qual eu não concordaria nem permitiria.

Malotl ainda tentou argumentar dizendo que eles eram filhos da metrópole exploradora e por esse motivo mereciam morrer. No entanto, eu não fui convencido por esses argumentos impregnados de ódio e continuei tentando impedir a chacina. Porquanto, até onde eu sabia, matanças sempre eram armas falhas para manter a paz e uma nação construída sobre os ressentimentos oriundos de eventos tão macabros estava destinada a findar da mesma forma: através de assassinatos e da violência generalizada. Além disso, a mãe de Pemi e o pequeno irmão de minha amada não deram nenhuma ordem para maltratar quem quer que fosse e não agrediram pessoa alguma. O responsável por todos esses atos abomináveis foi o pai de Pemi e mesmo assim eu não lhe desejava a morte.

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