Repentinamente, o ex-governador me pediu para abandoná-lo naquele lugar. Surpreso, indaguei-lhe o motivo de tão absurdo pedido. O pai de Pemi estava com os olhos chumbados e afirmou que teve também o sonho com a misteriosa dama das trevas , ela lhe contou que sua filha não lhe pertencia mais.
O pai de Pemi me contou que ele invocou o deus da guerra para que ele se tornasse um governador, o deus lhe prometeu lhe conceder o que o humano queria desde que ele obrigasse Pemi a se tornar a campeã do deus da guerra. Pemi havia partido para ser treinada pela divindade.
Apesar da minha raiva, tentei convencer aquele homem que se tratava de um blefe da misteriosa senhora dos sonhos e ele não acreditou muito em mim. Para ser realista, eu também não estava confiando muito em minhas próprias palavras, pois tudo indicava que a senhora sombria não era de fazer ameaças vazias e que Pemi provavelmente perdeu no jogo divino. No fundo, algo me assombrava, eu estava ciente: de alguma forma Pemi estava o domínio da misteriosa invasora de sonhos.
O ex-governador me disse para deixa-lo naquele lugar, porque ele almejava morrer de remorso sozinho. Decerto, ele se considerou um péssimo pai e pediu perdão a mim por não ter me ouvido, porém ele preferiu o poder à própria filha.
Sem pensar muito, perdoei aquele senhor devastado pela dor do arrependimento apesar de não ter esquecido os seus erros. Na verdade, eu sabia o quanto a culpa é dolorosa e por esse motivo tentei lhe convencer a parar de se torturar. Entretanto, o pai da menina-sombra não me ouviu, afirmou que o remorso era só dele e ,de acordo com sua lógica doentia, apenas ele poderia ser castigado por seus desatinos.
Vi a mãe de Pemi implorando para que ele não abandonasse a ela e ao filho caçula. O pequeno menino chorava em desespero e se agarrava ao pai, a criança tinha a esperança de com seus berros chamar quem ele tanto amava de volta para si e para o mundo.
Mesmo diante de um quadro tão comovente, aquele homem estava decidido a deixar tudo e todos para trás.
Sem conseguir controlar minhas emoções, senti a raiva se apoderar de meu ser e gritei para o pai de Pemi que mesmo se a minha amada realmente tivesse morrido, ele não deveria simplesmente abandonar a mulher e o filho. Acusei-lhe de egoísmo, em sua busca por poder ele só pensou em si mesmo e, aparentemente, não se importou com sua família, inclusive considerou um ato legítimo enviar a própria filha para um lugar em conflito no intuito de conseguir ainda mais poder e admiração perante seus superiores.
O ex-governador mirou-me surpreso como se eu tivesse dito algo muito absurdo ou genial. Todos ficaram quietos. Eu apenas ouvia o barulho de minha respiração profunda e ofegante. Aquele silêncio me assustava e o pior de tudo era que eu não sabia exatamente o que eu temia. Até hoje, desse momento só guardo palpites, não havia nenhuma certeza.
Repentinamente, deixei o pai de Pemi sozinho para refletir e voltei a lembrar das almas penadas, as quais eu tentei libertar da maldição que as prendia nesse mundo.
Indaguei a Hualca sobre os fantasmas do acampamento e ele respondeu: eles foram libertos. Meu irmão contou-me que os espíritos avisaram-lhes que a partir do momento no qual derrotei um bruxo das trevas sem mata-lo, mostrei o meu valor para o deus Lua e me tornei um campeão. Entretanto, o preço a pagar por isso era muito alto, porque outros campeões poderiam me atacar e tentariam tirar de mim tudo o que me era importante. No entanto, apesar de ele ser meu rival neste jogo, Hualca me prometeu que jamais me trairia e que nós dois seríamos os vencedores, estaríamos juntos até o final. Abracei Hualca e repeti as palavras dele.
Preocupei-me, achei tudo aquilo injusto e desejei ter morrido naquela batalha contra aquele bruxo das sombras. Pelo menos eu não teria que enfrentar o meu próprio irmão mais cedo ou mais tarde, era esse meu pensamento revoltado. No entanto, sobrevivi e isso não deve ter ocorrido sem motivo algum, pelo menos Tla me tentaria me convencer de algo do tipo. Quiçá, minha missão de vida seja lutar por um mundo melhor através do meu próprio sacrifício. Desde cedo, as estradas de minha vida foram feitas de calvários e de sangue. Enquanto eu sobrevivia, via gente sofrendo e morrendo.
Pedi para a família de Pemi acampar perto de um riacho próximo da montanha mais alta e pedir proteção do Lua, lá haveria água cristalina e comida. Então, avisei a todos que eu iria ao acampamento recém-liberto dos fantasmas e invocaria a serva das sombras com o objetivo de conversar com ela. Um local marcado por tanta tragédia me ajudaria a atrair esse tipo de entidade.
Todos tentaram me impedir, porque eu estava prestes a cometer uma loucura. Olhei para o rosto de todos e tive vontade de chorar. Todavia, ri diante do perigo, como se eu não me importasse com minha própria vida e todos ficaram perplexos. Chamaram-me de doido e apenas sorri. Não tentei explicar minhas razões, elas eram inexplicáveis com palavras, eu apenas as sentia.
Percebendo que eu não desistiria de me comunicar com a misteriosa entidade das trevas, o pai de Pemi me abraçou e prometeu que não desistiria da própria família, pois ele precisava se mostrar merecedor de ter sido o pai da minha amada e também necessitava demonstrar para mim que fiz bem em poupá-lo. Fiquei feliz com isso, porque senti verdade nas suas palavras e desejei a ele que os deuses os protegesse.
Despedimo-nos e vi a família de Pemi partir para o lugar onde disse para eles irem. Eles realmente confiavam em mim e depois de eu me resolver com a criatura sombria, eu teria que enfrentar Malotl que continuava a ameaçar as nossas vidas.
Lembrei-me do túnel de onde vim e que Malotl poderia nos seguir, mas algo me dizia que a minha irmã cuidou para que isso não acontecesse.
Despedi-me de todos e falei que essa viagem eu faria sozinho. Decerto, aquela criatura queria me prejudicar e eu não desejava que mais alguém fosse alvo de suas investidas, pois não era justo. Alguns protestaram, porém parti sem olhar para trás e fingindo-me indiferente aos apelos de quem eu amava.
Era duro demais ter que fingir ser insensível às lágrimas deles, porque elas eram minhas também. Porém, eu tinha de ser forte por eles e me sacrificar se isso fosse necessário para salvá-los. Eu precisava saber o que aquela entidade queria.
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A independência de Dai
FantasíaZoco é um jovem bruxo escravizado de Dai. Não bastando as condições adversas ao qual ele é submetido, ele se apaixona por Pemi, a filha do representante da metrópole em Dai... Um amor proibido. Os deuses, principalmente o deus da guerra, não quisera...