O sonho

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Fiquei apreensivo ao lembrar que eu derrotei o irmão de Burdealdea e que isso poderia ter feito ela se ressentir em relação a mim. Decerto, senti-me culpado por vencer o abominável feiticeiro e por esse motivo pedi desculpas a ela. No entanto, ela afirmou não ter ficado magoada comigo, ela me entendia: fiz o que eu julgava certo e provavelmente o era. Lamentavelmente, minha estava ciente de parte das atrocidades do irmão, ele não a poupou.

Abracei Burdealdea novamente e depois me separei do corpo dela. Nossas almas se uniram por nossos olhares, havia uma compreensão dolorosa e silenciosa entre nós. Era quase um pesar, desejei que ela tivesse uma família melhor do que ela havia tido e cogitei abraça-la para jamais soltar. Desgraçadamente, o mundo era muito agreste para tão bela flor quanto ela e meu amor era muito cortante. Porquanto, eu era feito de espinhos e tudo em mim é tão brutal quanto as pedras. Na verdade, minha vida é pétrea em sua essência apesar de eu tentar flori-la.

Após o abraço, adormeci e tive um estranho pesadelo. Sonhei que eu estava em uma floresta sombria e infinita, não havia luz, só existia escuridão e medo. Em vão, eu tentava gritar, pois eu sentia como se a morte passeasse perto de mim e não havia sinal de esperança nem de amor.

Repentinamente, encontrei um descampado e no meio dele havia uma belíssima jovem. A garota misteriosa tinha a pele escura como a escuridão que se apossava de meu sonho e parecia uma imponente rainha das sombras, daquelas que impõem medo e encanto com sua presença. Certamente, qualquer um reconheceria seu poder incontestável.

Aproximei-me da imponente mulher, a mais soberana já vista por mim em toda minha vida. Indaguei-lhe o motivo dela estar em tais paragens, ela me respondeu que estava apenas fazendo o trabalho dela e perguntei qual era. A rainha sombria me fez uma grande revelação: ela era minha protetora e seu dever era me aconselhar. Depois disso, a mulher me avisou que se eu continuasse no caminho no qual estava seguindo, minha morte seria dolorosa e em um futuro próximo e me pediu para desistir de tentar salvar o mundo a fim de viver uma vida longa e tranquila.

Avisei-lhe somente que eu não seguiria seu conselho e se fosse para eu morrer lutando pelo o que eu acreditava, eu morreria. Eu preferia uma vida curta e bem vivida, porque eu não aceitaria viver por um longo tempo como covarde. Ao ouvir minhas palavras, a misteriosa jovem irou-se e falou que minha jornada seria marcada por sacrifícios. Ela declarou que eu estava fadado à loucura.

Olhei nos seus sombrios olhos pretos e vi um ódio indescritível, ela não me pareceu uma protetora e sim uma entidade maligna sedenta de sangue. O olhar dela era facínora e intimidador.

Instantaneamente, a misteriosa mulher desapareceu de meu pesadelo e pesadas nuvens começaram a me envolver. Tive a nítida impressão de que essa névoa me roubava os sentidos. Para meu horror, eu estava cada vez mais inconsciente. Entretanto, quando eu estava quase desmaiando senti algo me puxando de volta para a consciência e despertei.

Ao acordar, encontrei Burdealdea, em lágrimas, me abraçando. Prontamente, indaguei-lhe o motivo das suas lágrimas e ela me respondeu entre soluços que eu quase morri. Minha amiga me contou que ela percebeu manchas escuras se espalhando pelo meu corpo de pele escura, achou isso estranho e colocou a mão sobre minha testa para ver se aquilo era uma doença causadora de febre. Todavia, ela constatou que eu estava tão frio quanto um defunto, sentiu medo e foi ver se meu coração ainda batia. Um pouco mais aliviada, Burdealdea constatou que meu coração ainda dançava no ritmo da vida, mas ameaçava parar o baile vital. Nesse momento, ela ficou desesperada e começou a me chacoalhar para tentar me tirar dos braços da morte. Felizmente, minha amiga conseguiu e me trouxe de volta à vida.

Mirei nos celestiais olhos de Burdealdea, eles eram a vida me olhando: azuis e infinitos como o céu. No entanto, essas belíssimas safiras estavam presas ao mundo terreno e repleto de mazelas. Eu sabia que jamais esqueceria Burdealdea e seu olhar celestial. Entretanto, eu nunca a amaria como amei Pemi e nem lhe dedicaria a mesma devoção incendiária que Yaiza me dedicou. Certamente, eu seria eternamente grato à princesa dos ventos, porque eu só poderia oferecer-lhe minha gratidão e minha amizade.

Agradeci Burdealdea por ter salvado minha vida e ela disse que fiz o mesmo com ela derrotando seu irmão. Se não fosse eu, talvez o sono dela se prolongasse ou se tornasse eterno. Se por um lado, salvei-a da maldição sonífera e isso era muito importante para ela. Por outro lado, a filha do Lua não deixou a morte me levar, eu lhe devo muito. Portanto, por mais que ela me agradeça por quebrar o feitiço do sono, sei que fiz algo de pouca importância se comparar o que ela fez por mim.

Alguns instantes depois, comuniquei à Burdealdea que eu estava disposto a regressar ao acampamento onde estava minha família, mas ela tentou me dissuadir. A flor dos olhos celestes temia que eu estivesse fragilizado e sofresse outro ataque das forças sombrias. Burdealdea realmente acreditava que o ocorrido comigo deve ter sido efeito de algum feitiço maléfico e estava tentando me proteger. Resolvi não discutir com ela se eu estava enfeitiçado ou não, pois ela era irmã de um semideus das trevas e deveria saber mais do que eu sobre as artes sombrias. Todavia, eu estava irredutível: eu partiria naquele momento independente do que ela dissesse, porque minha família corria perigo, pelo menos eu sentia isso no fundo de minha alma. Mais tarde, percebi que eu estava certo.

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