A batalha contra um semideus

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Fiquei abismado com o relato daquelas almas perturbadas. Nunca presenciei pessoalmente até aquele momento os perversos efeitos das maldições dos magos das sombras e da ambição. Vi o estado dos espíritos que ficaram presos naquele lugar agreste ao invés de descansar por desagradarem um impiedoso bruxo e causarem medo na população local, eles estavam exaustos e só queriam paz, assim como eu. Identifiquei-me com eles, se fosse possível eu prometeria que tudo ficaria bem, mas não fiz isso. Eu não contava com garantia alguma e não queria decepcioná-los com promessas vazias.

Após ouvir tudo o que aqueles fantasmas me contaram, resolvi ajudá-los a se libertar desse mundo, mesmo sabendo que para isso eu teria de enfrentar o maligno mago homicida. Falei para os espíritos que faria o possível para livrá-los da situação na qual se encontravam, porém eu só os ajudaria se eles não fizessem mal algum a mim e às pessoas que me acompanhavam. As almas aceitaram essas condições e no dia seguinte começou minha implacável busca pelo fim do encantamento.

Quando acordei na manhã seguinte estava muito frio e a neblina cobria todo o vale, a saudade que eu sentia de Tla me doía ainda mais e eu sentia vontade de amaldiçoar Malotl por ele ter me separado de minha irmã, mas não o fiz.

Após me alimentar um pouco com alguns peixes pescados por Hualca em um córrego próximo do acampamento onde estávamos, parti em busca do semideus que colocou os soldados sob o jugo de uma maldição. Entretanto, quando me despedir de todos, meu irmão me recomendou muita fé e coragem. Provavelmente era meu destino vencer esse mal, ele podia sentir isso. Todos ficaram assustados com a convicção de um garoto tão jovem, inclusive eu. De repente, ouvi a voz de minha irmã em minha mente me aconselhando a não ter medo, aquela era minha jornada.

Depois todos quiseram me acompanhar, porém não deixei que isso ocorresse. Porquanto, havia um garoto muito pequeno no meio do grupo e ele deveria ficar protegido no acampamento. Em minha ausência, Hualca ficaria lá a fim de defender a todos. Eu deveria partir sozinho e o máximo que eles poderiam fazer era me desejarem que eu tivesse sorte em minha jornada.

Vendo que eu iria sozinho de qualquer forma, todo mundo torceu por mim e para minha ventura. O meu irmão novamente me ofereceu um sábio conselho: se eu fosse enfrentar um servo das artes maléficas, minha melhor defesa seria crer que o bem sempre vence o mal, assim os encantamentos sombrios me afetariam menos. A magia maligna causa mais estragos em quem não tem fé no bem por se aproveitarem das trevas internas que o medo causa.

Ouvi as palavras do Hualca e parti deixando quem eu amava no acampamento assombrado. Às vezes, nem eu mesmo acreditava no que eu estava fazendo. Quando eu parava para refletir sobre minha vida, percebia quão louca ela era. O pior disso tudo era que a culpa de minha existência ser insana residia em minha própria loucura. Nesses momentos eu me descobria a pessoa mais insana do mundo.

No entanto, eu não me considerava totalmente desgraçado, porque quem traz as mudanças são os loucos. O medo do desconhecido paralisa os normais, estes sim eram dignos de piedade. Os doidos agem, lutam pelo o que acreditam e fazem história enquanto os sãos estão presos ao cotidiano que nem sempre lhes agrada. Prefiro ser insano, vejo a monotonia sã tal qual uma calmaria quase fatal.

Perdido em meus pensamentos, achei-me e me tornei ciente da necessidade ser mais artista do que guerreiro para vencer os eventuais oponentes e obstáculos que eu teria. Comecei a crer na minha capacidade de construir o meu impossível, decidi tentar parar de me limitar e escolhi acreditar na vitória do bem sobre o mal. Entendi que para conseguir meus objetivos eu deveria ser estrategista, sonhador e louco.

Percebi que passei a vida sendo um artista. Ser arte é algo necessário e sofrido, pois transformar a realidade é mais difícil do que se conformar com ela. Minha maior contribuição artística reside na coragem de lutar pela mudança, sou forte por ser uma aberração e esse é meu pior segredo. Tornei-me um sonhador irrecuperável.

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