Como me tornei um campeão divino

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Após o findar do combate presenciei uma cena que me fez pensar que eu havia perdido o juízo de vez. Vi o Lua descendo do céu e vindo em minha direção. O deus tinha um semblante tranquilo. Ele me agradeceu por derrotar aquele idoso inveterado nas artes maléficas e para meu espanto disse que já me esperava. A divindade sabia que eu viria e isso era assustador, mesmo quando se trata de uma deus.

O Lua afirmou me observar desde o dia no qual nasci. Eu passava noites sonhando e contando como seria minha vida no futuro, o mundo seria mais feliz. O senhor de prata ouviu todos esses desejos e por eu não desistir de sonhar, ele percebeu que eu estava destinado a ser um grande guerreiro: eu seria um dos campeões escolhidos por um dos deuses. O deus falou que se impressionou comigo ao acompanhar a minha luta pela independência do meu povo, a minha capacidade de sobrevivência e a minha luta contra o semideus das trevas que culminou na liberdade dos espíritos amaldiçoados e Burdealdea, mas minha jornada estava apenas começando se eu aceitasse me tornar o campeão que representa o deus da Lua.

Eu não estava entendendo coisa alguma, eu nem sabia que uma divindade precisaria de um campeão. Acho que ela notou as minhas dúvidas pela minha cara e me explicou que os deuses estavam decidindo quem seria o próximo rei ou rainha dos deuses e isso seria decidido através do confronto de humanos escolhidos pelos deuses, os campeões. O deus que fosse representado pelo campeão que venceu os outros campeões se tornaria o novo governante dos deuses. Um campeão venceria se nunca desistisse desse jogo divino e sobrevivesse aos outros campeões.

Quando eu finalmente soube o que era ser um campeão de um deus, eu quase me recusei. No entanto, eu me lembrei que com a proteção e o favor do deus da Lua, eu poderia proteger todo mundo que me era importante, pois a gratidão de uma divindade pode ser uma ótima proteção. Por fim, eu aceitei me tornar o campeão do deus Lua e recebi o par de foices lunares para aumentar o meu poder. A partir desse momento, eu oficialmente me tornei uma peça no jogo dos deuses e isso era um caminho sem volta.

Antes de o Lua voltar ao estamento, ele foi até uma caverna da montanha mais alta e luzes coloridas brotarem de lá, as cores bailavam suaves diante da noite escura e mesmo vendo-as era difícil crer que tal espetáculo era real. Naquele instante, provei a mim mesmo que eu não era feito apenas de fé, ainda havia o ceticismo que eu deixava a razão me impor.

Contemplei o senhor prateado voar até retornar ao seu lugar no céu, a beleza luminosa do deus lunar estava ainda mais magnífica e eu ficava cada vez mais atônito. Após o retorno da Lua ao seu lugar, vi uma jovem saindo da caverna do monte altíssimo e bailando no ar até onde eu estava. A garota pousou ao meu lado e se apresentou, era a Burdealdea . Eu estava diante da mais formosa figura que vi em minha vida inteira, ela era a princesa dos ventos e a flor dos abandonados.

A Burdealdea era a personificação da beleza e da suavidade, de tão perfeita, ela parecia surreal. Olhando para ela me olvidei momentaneamente de Pemi, talvez eu tivesse até esquecido de mim mesmo. Todavia, era um esquecimento inebriado e bom, daqueles que se tem quando algo muito bom acontece. Só me lembro de ter contemplado aqueles olhos azuis infinitos e celestiais.

Repentinamente a beldade começou a falar. No entanto, eu só ouvia a suave voz dela sem entender palavra alguma que ela proferia. A semideusa falava muito difícil para mim naquele instante e eu só sabia que ela se chamava Burdealdea . Indubitavelmente, meu raciocínio foi dopado com seu doce encanto, nem o torpor da batalha havia me deixado tão alterado, tão fora de mim.

Burdealdea descobriu o quanto alheio eu estava e resolveu me beliscar para ver se eu despertava. Realmente, voltei para a realidade e contei-lhe quem eu era. A jovem me explicou que era a irmã do mago das trevas que eu havia derrotado e me agradeceu após contar toda aquela história que eu havia ouvido dos fantasmas no acampamento.

A filha do Lua parecia dividida, perdida entre a tristeza e a alegria, seu rosto era enigmático. A garota me contou que sua única certeza consistia na eterna gratidão que ela sentia em relação a mim e eu lhe disse que só um sorriso dela já poderia pagar tal dívida.

Notei que havia algo diferente em mim e eu não sabia exatamente qual foi minha mudança. Jamais havia me sentido tão entorpecido assim. Burdealdea era bela, porém eu estava mais distante do que nunca da realidade e sem vontade própria, preso a algum tipo de encanto. Temi estar sob o efeito de uma maldição por derrotar um bruxo das trevas ou por vencer o semideus filho do deus Lua. Tive medo de que tal estado me fosse eterno e eu tinha horror à ideia de condenação eterna. Entretanto, decidi manter tal temor em segredo e lutar com todas minhas forças contra tal maldição, porque eu não era de me entregar tão facilmente.

A bela dama me falou sobre a omissão de seu primeiro amor e fez a pior pergunta que ela poderia ter feito após alguns segundos em silêncio. A princesa dos ventos me indagou qual motivo levou seu amado a esconder dela algo tão importante. Certamente, tentei dissuadi-la de ouvir a resposta para tal pergunta, porém ela queria a verdade mesmo que esta lhe doesse. Então, contei a ela que nem sempre há reciprocidade quando se trata de amor e esse poderia ser o caso dela.

Ao ouvir minha resposta, a beldade começou a chorar pelo afeto não correspondido, quiçá ela fosse apenas um troféu para ele. Infelizmente, o soldado não sabia que estava entrando em um jogo mortal ao flertar com ela, desconhecia a ira do irmão da jovem. Depois de alguns minutos, Burdealdea me confessou que já esperava ouvir isso, seu maior desejo era ser amada por quem ela se sacrificou tanto. Senti-me tal qual um executor, minhas palavras sepultaram os sonhos de uma garota ao confirmar a dolorosa verdade. Surpreendentemente, Burdealdea me disse que não sentia raiva de mim por eu não ter mentido para ela, pois ela sabia que mais cedo ou mais tarde a realidade se escancararia em seu rosto sem possibilitar fuga alguma.

Senti-me triste por Burdealdea e eu entendia o quanto dói perder alguém que se ama. Porém, eu não guardava a ilusão de compreender totalmente a dor que se apossava dela, porque nossas almas eram muito distintas e fomos moldados de formas diferentes. Se por um lado, sou mais um dos milhares filhos de uma grande cidade litorânea, esculpido pela dor e pela maresia, esta última me visitava e acariciava meu rosto enquanto eu sonhava com terras além-mar onde eu poderia ser livre. Por outro lado, Burdealdea era filha daquele vale cinzento, nunca conheceu o oceano e quantos aos seus sonhos, provavelmente, eram diferentes dos meus.

Abracei a garota para ver se eu conseguia fazê-la imergir do mar de tristeza no qual ela se encontrava. Eu não a conhecia bem, mas eu já a considerava minha amiga e não a deixaria se afogar em uma depressão. Eu estava determinado a não entrega-la à tristeza sem lhe apoiar e tentar lhe deixar segura, ser um covarde indiferente não era mais possível. Salvar Burdealdea de si mesma era mais do que uma escolha. Eu a ajudaria, pois o ser humano dentro de mim não queria deixar seu semelhante morrer dentro dela.

Burdealdea se desmanchou em lágrimas nos meus braços. Neste instante, percebi que eu não a amaria como amei Pemi. Para mim a filha do Lua não merecia um amor tão impuro e eu não a desejava mais como mulher. Naquele momento, vi que ela era uma menina desprotegida e meu dever consistia em protegê-la. Infelizmente, a família de minha nova amiga deveria ter zelado por ela e não fez isso bem, seu irmão tentou destruí-la e nunca se importou verdadeiramente com ela. Eu realmente gostaria de poder consertar tudo isso, ela deveria nascer entre pessoas que a amam, não em meio a indivíduos cegados pela ambição. Todavia, não havia a possibilidade de voltar no tempo e o melhor a ser feito era me transformar em uma família para Burdealdea.

Quando ela parou de chorar, sequei suas lágrimas e lhe convidei para se juntar a mim e à minha família que deixei no acampamento. Imediatamente, ela aceitou tal convite sem pestanejar. Alegrei-me por isso e lhe avisei que partiríamos em direção aos meus após eu descansar de minha batalha contra o mago das sombras.

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