O passado de Yaiza

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Voltando ao instante no qual eu olhava para os olhos de Burdealdea após reencontrar Yaiza, a beldade da terra abandonada parecia enfeitiçada pelo brilho de minha ex-namorada. Chamei pela filha do Lua e ela voltou-se para mim. Um tanto desconcertado, eu disse à garota dos olhos azuis que dias melhores estavam por vir e ela me perguntou como eu tinha certeza disso. Hesitante, respondi-lhe que isso era incerto, mas era a incerteza que tornava tudo mais interessante, ela abre espaço para as mudanças e para os sonhos.

Os olhos de Burdealdea se encheram de lágrimas. Quando ela estava prestes a chorar, contou-me que seu antigo amor também prometera a ela que tudo acabaria bem e depois veio a grande tragédia que ela não conseguiu impedir. A filha do vale dos esquecidos pela humanidade me confessou que tinha medo de perder quem amava novamente e se isso acontecesse, a eternidade seria seu pior castigo.

Após a confissão de Burdealdea , veio o silêncio e o luto por todos que já foram mortos pelas forças do mal, inclusive por Malotl. Não pude participar do enterro da dignidade daquele que um dia chamei de amigo, mas eu sentia que devia prestar alguma homenagem a ele, tentar fazer o milagre da ressurreição da sua humanidade em nome de tudo o que passamos juntos.

Apesar do desaparecido governante de Dai ter me traído, ele esteve ao meu lado durante a prisão e os erros dele não apagam totalmente o fato de eu ainda lhe ser grato por tudo o que ele fez de bom para mim, eu continuava querendo-lhe bem. Por fim, dedico gratidão ao Malotl até meus últimos dias, porque ele ajudou a construir quem sou: os revezes que ele me fez passar me fortaleceram e me mostraram quem eu nunca deveria ser. Sem saber, meu amigo ingrato se tornou um dos meus maiores professores na escola da vida.

O silêncio foi quebrado pela líder do levante, ela disse que sua mãe lhe prometeu que tudo ficaria bem e ela morreu após ser muito açoitada pelo capataz na frente da pequena Yaiza. Na época, a dama das chamas era apenas uma garotinha de dez anos e convivia com as agruras da escravidão, sua vida frágil valia pouco aos olhos dos dominadores sedentos por poder e isso era assustador. O mundo era um gigante pronto para engolir os pequeninos e minha ex-namorada era um deles. Então, ela se fortaleceu, pois ser forte e corajosa foi sua única opção para sobreviver.

Com os olhos marejados Yaiza nos contou que seu pai não suportou ver a esposa sendo espancada até a morte por ter demorado um pouco mais para limpar a casa dos patrões e tentou defendê-la. O progenitor da menina-sol se insurgiu bravamente contra os algozes da sua amada e os irmãos mais velhos da garota flamejante se juntaram ao pai. Todos eram famintos e raquíticos, porém o desejo de defender quem eles amavam muito era mais forte do que o medo de morrer. A pequena menina de dez anos só conseguiu chorar de medo, ela não queria perder toda a família de uma vez.

Durante a batalha só se ouviam os gritos da mulher açoitada e da garota assustada, esta percebeu que a mãe poderia estar morrendo e tomou coragem para abraçá-la. Foi nesse instante em que a mestra dos rebeldes se tornou maior do que a dor: ela pouco se importou com a possibilidade de ser ferida mortalmente e decidiu demonstrar seu amor a qualquer custo, era sua última chance.

Yaiza andou em meio à batalha sangrenta entre os seus familiares e os representantes daqueles que os dominavam. A menina chegou perto de sua mãe e a abraçou sem medo algum apesar do chicote, este cantava em sua pele tal qual cantara na mulher moribunda. A genitora da dama das chamas prometeu à sua filhe que tudo ficaria bem e depois deu seu último suspiro nos braços frágeis da pequena menina de pele cor de bronze. O último ato da mãe de Yaiza foi se agarrar à filha como se segurasse à vida.

O capataz olhou pasmo para a pequena que não temia a dor e seu coração amoleceu. Ele era um covarde, bem o sabia, aquela criança era mais corajosa do que ele e por isso merecia seu respeito. Imediatamente, o homenzarrão parou de açoitar a menina e aconselhou-a a fugir para bem longe, porque alguém como ela não merecia ser escrava.

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