A primeira bruxa das trevas

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Voltando à viagem, andamos sem trégua pela terra de Burdealdea. Nessa região havia pouca gente e ficamos muitas horas sem ver outras pessoas além de nós.

Depois de um tempo, Miya e Hualca já estavam fracos. Decidi que seria melhor descansar um pouco perto de uma árvore retorcida e pequena. Tader opôs-se, ele disse que nada poderia nos atrasar. Eu iria dizer ao irmão de Miya que o descanso era necessário, porque se o cansaço nos alcançasse, nós falharíamos.

No entanto, Burdealdea interviu e convenceu meu amigo a aceitar minha proposta. A princesa dos ventos estava exausta e mesmo assim sua doçura não se exauriu, ela afirmou que minha sugestão era muito prudente e eu tinha ainda mais razão, pois estava escurecendo. Burdealdea nos alertou que a noite daquela região era perigosa demais para seguir viagem. Essa escuridão moldou o primeiro mago das trevas e nela se abrigava todos os segredos daquela terra.

Tader aquietou-se e acendemos uma fogueira. Interessei-me por aquela lenda local sobre o primeiro servo do mal. Tomado pela curiosidade, pedi à Burdealdea para contar o que sabia sobre esse mito.

Ela nos contou que antes da existência do tempo e muito antes de Taen ter dominado aquela região, impondo o idioma que é falado por boa parte do mundo. A terra onde a filha do Lua nasceu era abençoada pela natureza e não havia miséria, as fontes cristalinas alimentavam a paisagem coberta por flores e havia fartura.

Nos primórdios, todos viviam em paz nos seus vilarejos e a humanidade havia surgido naquela região. Infelizmente, não foi assim para sempre, pois um dia nasceu uma criança sem brilho no olhar durante uma noite tempestuosa, um dos vários semideuses filhos do deus do mal.

O recém-nascido era uma garota chamada Enya. Quando Enya nasceu, sua mãe morreu e a garota incomum cresceu sem mãe. Apesar de sua enteada ser diferente das outras crianças, o padrasto humano da menina sem brilho no olhar a amava. Entretanto, esse homem nunca entendeu a filha: ela era uma garota que não sorria, seu olhar era opaco e por maior que fosse o amor recebido, ela jamais estava satisfeita. A pequenina só sabia sentir fome e não era faminta somente por comida, Enya tinha fome de algo que nem ela mesma sabia o que era.

Enya cresceu e seus poderes desabrocharam. Ela se tornou uma bruxa da água e ao invés de se sentir preenchida por controlar o que faz a vida fluir, ela continuou insatisfeita.

Para o azar de todos, sua fome aumentou, por esse motivo a jovem ficou mais calada e começou a sair durante a noite. Em seu silêncio nunca amara a humanidade e talvez desprezasse a todos. Quando os outros iam dormir, a solidão de Enya era maior, seu vazio era devastador e passava a motivar toda sua existência ao ponto de ela não desejar ser perturbada por quem quer que fosse. Desgraçadamente, a menina amava somente a fome, porque esta nunca a abandonara.

Burdealdea relatou-me que em uma noite de lua cheia enquanto Enya praticava sua magia, um casal apaixonado saiu de sua casa e foi namorar sob a luz do luar. Eram jovens, inexperientes e se amavam. Possivelmente, os enamorados não sabiam onde era que Enya costumava ficar, por isso acabaram indo acidentalmente no recanto da garota sem brilho no olhar e lá se beijaram. Enya considerou isso uma ofensa terrível à sua solidão e desejou castiga-los.

Tomada por uma ira assassina e não controlando a natureza maléfica que herdou do seu pai biológico, Enya usou seu poder contra eles. No entanto, os amantes conseguiam se defender. O ódio dela aumentou e isso fez com que ela tivesse acesso ao mal que estava dentro de seu ser. Uma vez em contato com suas trevas, Enya foi dominada por elas e conseguiu o que antes ninguém foi capaz: controlou o sangue dos apaixonados, paralisando-os e depois os explodiu. Nesse episódio, a primeira feiticeira das sombras manifestou toda sua crueldade.

A mestra do mal espalhou o caos, o medo e a fome pelo mundo, deixando o deus do mal muito orgulhoso. Enya devastou aquela terra e a deixou como todos a conhecemos. O poder saciava momentaneamente sua fome, mas sua ambição já havia se tornado um vício. Em pouco tempo ela desejava ampliar seus domínios cada vez mais. No intuito de se saciar, a jovem fez muitos inimigos e matou vários inocentes. Por onde a devota do mal passava, surgia um rastro de sangue e morte. As carnificinas a ensandeciam cada vez mais e seu reinado de terror obrigou muitas pessoas a abandonarem a região conhecida como o vale dos abandonados.

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