Rio Dza

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Após o término da reunião com nossa flamejante aliada, cada um dos envolvidos voltou para sua barraca e eu estava incluído nisso.

A noite já cobria o acampamento. Entretanto, eu não conseguia dormir e ainda pensava em Malotl. Eu não estava em paz em relação ao desaparecimento daquele traidor. Indubitavelmente, Malotl mudou a minha vida e eu lhe era grato por esse motivo. Portanto, sentia-me no dever de saber o que aconteceu com ele e fazer-lhe justiça se necessário, para isso saí de minha barraca e adentrei a noite em uma procura na qual eu nem sabia o que estava buscando.

Embrenhei-me na escuridão noturna e andei sem rumo definido até chegar a um riacho, este era manso e a luz da lua emprestava-lhe sua beleza prateada. Na beira desse córrego havia flores azuis e delicadas. Resolvi rezar pelo meu amigo assassinado: colhi as flores ribeirinhas, orei no intuito de ajudar a alma de Malotl encontrar a felicidade que ele tanto buscou em vida e ofereci as flores ao riacho. Mergulhado em meu silêncio, observei as águas levando minha oferenda em direção ao inevitável e misterioso oceano.

Chorei por meu amigo desaparecido, eu gostaria de poder afirmar que ele estava bem. Todavia, eu sabia que ele não descansava, porque ele sumiu tão jovem e tinha muitas pendências, algumas delas comigo. No entanto, a maior dor a lhe corroer o espírito era a decepção que Gaia pode ter lhe infligido. Infelizmente, ela pode tê-lo traído da pior maneira possível.

Enxuguei minhas lágrimas e quando me virei para voltar à minha barraca avistei Malotl bem diante de mim. O suposto fantasma parecia muito perturbado e arrependido. Permaneci quieto, pois eu não sabia o que falar a um morto. Então, ele se aproximou de mim enquanto fiquei parado. Não fugi, porque eu desejava ouvi-lo para poder apaziguá-lo um pouco. Sei que a solidão assombra até as almas penadas.

Quando Malotl estava muito perto de mim, tudo se aquietou e o oceano me invadiu. Tudo estava úmido demais e a maresia estava tão impregnada no ar que eu respirava ao ponto de quase me causar enjoo. Naquele instante, eu pude sentir tudo o que o perseguia: o homem que Gaia dizia amar continuava vivendo em um grande pesadelo no qual o mar jamais o abandonava onde quer que ele fosse.

Apiedei-me de meu desventurado amigo e rezei rogando por sua libertação dessa ilusão, embora eu soubesse que essa era apenas mais uma no emaranhado de enganos nos quais ele acreditou piamente. Malotl era um dos maiores ilusionistas que conheci e era tão bom na arte de embromar que acabou crendo em suas próprias mentiras: ele acreditou que eu era um traidor e que poderia enganar uma mulher.

O penúltimo governante de Dai saiu correndo quando comecei a rezar e pude ver escamas vermelhas em algumas partes do seu corpo. Achei isso muito suspeito.

Imediatamente, Malotl se irou contra mim e me atacou como pôde, mas foi ferido gravemente com alguns dos meus golpes potencializados pela lua cheia que me protegia e se revelou como ele realmente era: um dos servos do deus do mal, monstro do mundo inferior, alguns os chamam de demônios.

Percebendo que suas ofensivas eram inúteis, a criatura maléfica e enganadora foi embora praguejando.

Quando não avistei mais o servo do mal, senti-me mais calmo e retornei à minha barraca. Parei no meio desse caminho que eu percorria e olhei para o céu. Vi uma belíssima noite de lua cheia, as estrelas luziam e me senti surpreendentemente em paz. Fui invadido pela serenidade noturna que me convidava ao repouso e ao sonho. Entendi-me pequenino novamente: eu continuava sendo um menino diante do universo.

Extasiado, voltei para minha barraca e ao chegar lá notei que havia flores da cor da noite no chão. Admirei-as por tê-las achado as mais belas que vira em toda minha vida. Elas eram muito diferentes de qualquer flor que eu já havia visto e após contemplá-las resolvi ir dormir.

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