O rochedo e o mar

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Depois de muitos minutos ouvindo o silêncio acusador de Burdealdea, resolvi deixá-la com os outros e ir procurar alimento pelos arredores do acampamento. Quando me virei de costas, ela me chamou, aceitou minhas desculpas e pediu perdão pelos ciúmes.

Surpreendi-me e corri abraçá-la. Surpreendentemente, ela não me repeliu. Naquele instante, notamos que nossa relação era igual a um perfume e por esse motivo me senti um tanto envergonhado.

Eu não a amava. Eu e Burdealdea vivíamos um sentimento perfume: daquelas ligações espontâneas, fortes, sublimes, voláteis e que ninguém mais entende. Entre nós existia algo quase divino e vergonhosamente doce, seria a perfeição se não fosse minha natureza bruta. Nossa amizade era disforme, mas não o suficientemente insana ao ponto de fazer olvidar-me do meu amor por Pemi.

A flor do vale dos esquecidos não me prendia por completo e ao mesmo tempo fazia-me vencer o orgulho e contemplá-la. Algumas vezes estranha perfeição da princesa dos ventos fugia ao meu entendimento e eu estou ciente de que nunca a compreenderei em toda sua glória, pois Burdealdea é a mulher mais próxima e mais inacessível que conheci em toda minha vida.

Todos os outros olharam perplexos para nós. Sei que desafiávamos a razão e isso os surpreendia. Pareciam incrédulos, mas eu e minha amiga não devíamos explicações ao mundo. Apesar de não ser um amor arrebatador, o que tínhamos já nos bastava.

Naquele instante, contemplei o azul infinito do profundo olhar de Burdealdea. Confesso que ás vezes eu me afogava nos belos mares contidos nos olhos de minha amiga, a perfeição dela ocasionalmente me devorava e me prendia no fundo de um oceano: a própria Burdealdea era a personificação dos mares com seus olhos celestes e suas formas etéreas.

Contemplava naquela garota divinamente bela o oceano que me chamava. Entretanto, eu era a praia que deveria permanecer presa ao continente de minha vida, onde habitavam todos menos Burdealdea . Provavelmente, eu era uma costa rochosa encarregada de proteger as terras continentais contra um oceano tão dócil. Eu nem desejava me atirar ao mar, porém ser o paredão pétreo e costeiro tinha suas vantagens: podia-se ver mais longe, contemplar o horizonte e ter mais motivos para seguir lutando, porque se via que tanto na terra quanto na água a vida jamais se olvidava de lutar. Sempre tive a vida para me motivar.

Após o abraço, ficamos todos ao redor da fogueira esperando o dia amanhecer além da cordilheira. Depois do nascimento de um novo dia, iríamos decidir o que faríamos.

O destino nos era incerto, mas grandioso à sua maneira. Estávamos vivos e esperávamos o sol dissipar todas as trevas que dominavam aquela região quase desabitada. No entanto, sabíamos que o astro-rei não nos livraria de nossos problemas, muito menos protegeria muitos inocentes dos ataques sombrios das trevas. Porquanto, aquela escuridão que habita os corações corrompidos dos impiedosos não é extinta pela luz solar.

Infelizmente, existem pessoas que se corrompem por poder e se regozijam das misérias alheias, pois elas tentam eclipsar suas próprias mazelas com a desgraça alheia e por esse motivo sempre tentam aumentar as desventuras de milhares. Lamentavelmente, muitos não têm a consciência de que quando tentam livrar do rio de suas lágrimas através do egoísmo, estão criando um mar de sofrimento que irremediavelmente alcançará suas almas e as devorará.

Após algumas horas, o sol surgiu no horizonte montanhoso. Estávamos todos os cinco assistindo ao nascer do senhor do dia no fim do mundo, onde tudo se perde de todos. Apesar de eu ter brotado em Danji, meu coração pertencia a essa terra esquecida. Algumas vezes, eu via no vale dos abandonados a paz que eu jamais teria em Danji ou em qualquer lugar no mundo. Onde eu estava existia uma felicidade que não era minha, porém era da simplicidade.

Enfim, naquele lugar eu experimentei uma serenidade da qual eu não abriria mão nem por todo ouro do mundo, eu apenas queria viver da forma menos complicada possível.

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