Reencontro de irmãos

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Enquanto eu libertava o meu povo e fazia muitos levantes por toda minha terra, viajei muito e percebi que nasci em um lugar diverso. Conheci o interior que ficava além dos montes e da floresta onde eu me fixava: lá as tradições andavam pelas ruas e era um lugar conhecido como a terra dos fortes. Deveria ser mesmo, porque o interior guardava lembranças de um passado livre e para se sobreviver a elas é necessário ser forte. Nesse local reencontrei meu irmão caçula, um garoto de treze anos chamado Hualca.

Hualca havia crescido muito desde a última vez que o vi. No entanto, ele continuou reconhecível para mim. Ao revê-lo mal me contive, a saudade falsamente conformada velada em mim por muito tempo me fez desabar em lágrimas. Certamente, foi um dos melhores momentos vividos por mim no qual eu não era um revolucionário, um escravo fugitivo ou um membro de meu povo. Eu era apenas um homem que acabava de reencontrar um ente querido e caía de joelhos perante o mundo. Por um instante, deixei de ser um individuo e me tornei um qualquer um. Porquanto, o que me ocorria poderia acontecer com qualquer pessoa independente do lugar onde ela estava e de quem ela era, afinal os amores e as saudades são universais.

Se eu pudesse, eu pararia para sempre naquele momento. Entretanto, se assim eu fizesse talvez eu perdesse Hualca para o passado, então me recompus e o chamei. Ele de imediato virou-se em minha direção, eu fui à sua direção e me apresentei. Meu irmão caçula se emocionou muito e nos abraçamos. Em lágrimas, prometi-lhe jamais abandoná-lo e ele afirmou que não precisava de minha proteção, pois já era quase um homem e poderia lutar suas próprias batalhas.

Por instantes nos contemplamos e dissemos com os olhos o que não falamos em seis anos. Hualca estava novamente ao meu lado e isso já era um presente do mundo para mim. Certamente, era a melhor coisa que me ocorreu até aquele momento e dessa vez eu poderia levá-lo para viver comigo, assim o fiz.

Naquele dia lideramos um grande levante que enfraqueceu muito a guarda colonial de Sana, porque éramos muitos e estávamos unidos pela liberdade. Não lutávamos apenas por nós, também batalhávamos para honrar nossos antepassados e construir um mundo melhor para nossos descendentes. Não desejávamos que as futuras gerações fossem também privadas da liberdade e sofressem com a exploração do corpo e da alma capaz de reduzir algumas pessoas a um vazio tão grande a ponto de fazê-las esperar pacientemente a morte certa e prematura. A causa da rebelião nos transcendia.

Depois desse levante, levei Hualca para onde me fixei, no casebre da Yaiza. Elogiei a bravura dele, porque essa virtude era incomum para a idade dele. Meu irmão já nasceu guerreiro e com garra, isso o ajudou a se tornar um dos maiores mestres da magia com rochas que já existiu. A personalidade de Hualca era indobrável, pois desde cedo ele era forte e sobreviveu ao que dizimaria muitos adultos.

Anunciei a novidade a todos que estavam na cabana. Malotl e Yaiza comemoraram junto comigo a chegada de Hualca, contei-lhes os feitos de meu irmão durante a batalha do interior e Malotl nos disse que Hualca poderia ser importante para nos ajudar na nossa luta pela independência. Como o esperado, meu irmão se empolgou e falou que poderíamos contar com ele. Inutilmente, tentei lhe acalmar e dizer que ele poderia ficar com Yaiza cuidando dos recém-libertos. Entretanto, meu irmão retrucou: ele nasceu guerreiro, não enfermeiro. Só me restou o silêncio nessa ocasião. Calei-me.

Yaiza percebeu minha preocupação com Hualca e me garantiu um final feliz, quiçá mais por hábito do que por qualquer outro sentimento ou crença. Porém, ela me abraçou com uma ternura imensurável e desmoronei. Encontrei conforto entre os braços dela e suas palavras tentavam serenar meu espirito inquieto, mesmo diante da impossibilidade de me acalmar perante a probabilidade de perder meu irmão novamente. No entanto, confesso: eu amava a doce persistência de Yaiza em me reconfortar, porque esse esforço me fazia sentir amado. Infelizmente, eu não havia experimentado semelhante carinho durante toda minha vida e nunca me senti tão seguro quanto me sentia perto dela. Na presença de Yaiza o mundo era cheio de certezas e uma delas era a de que eu não seria totalmente abandonado. Porquanto, essa recém- chegada em minha vida jamais desistiria de me salvar da solidão.

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