O anoitecer

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Retornei ao acampamento onde estavam Tader, Miya, Burdealdea, Yaiza e Hualca. 

Ainda era noite, a prateada luz lunar banhava o meu corpo não tão alto nem tão forte enquanto eu andava em direção ao acampamento. O vento soprava suavemente no meu rosto inundando-me com o perfume das flores silvestres e com saudades de Tla e Pemi.

Cheguei ao acampamento quando o amanhecer estava próximo. Neste instante, todos estavam a dormir... Provavelmente sonhavam com um mundo melhor, sem guerra e fome, onde a dor não se fizesse tão presente.

Eu estava sozinho mais uma vez, mas não me importava, pois sabia que Tla e Pemi estavam bem. Eu só desejava acabar com essa guerra civil, devolver o juízo à Gaia, saber o que realmente foi feito de Malotl apesar das minhas suspeitas, terminar os jogos divinos vivo ou morrer protegendo os meus irmãos dos outros campeões com sucesso e viver em paz com quem amo. Eu não estava pedindo demais, eu queria o básico para viver com dignidade. Quem não desejaria viver sem guerras daqueles que lhe são tão amados?

Amanhecia um novo dia, se erguia uma nova era. O conflito civil estava na reta final, mais uma vez  eu era um dos rebeldes. Tudo mudando e permanecendo o mesmo.

Quando o sol se fez presente no estamento, todos os outros foram acordados pelo galo de alguma fazenda na vizinhança. Era um lindo dia alaranjado que merecia ser vivido em toda a sua intensidade.

Dizem que a esperança é verde, eu discordo. Na verdade, ela transita entre o laranja, o azul e o dourado de um lindo amanhecer. Acho que vi o amanhecer nos olhos de Pemi e deve ter me encantado tanto ao ponto de eu me apaixonar profundamente por ela. Atualmente, eu ainda amo o anoitecer contido no olhar de Niara.

Naquele dia o nosso café da manhã foi mingau de aveia, café e frutas cítricas, a quantidade não foi muito grande. No entanto, só de termos uma refeição matinal já estávamos no lucro. Eu particularmente amava o café com o seu aroma e sabor marcante, ele me deixava mais animado e, quem sabe, vivo. Diziam que o melhor café do mundo era o cultivado no interior de Dai, meu irmão trabalhou em uma dessas fazendas cafeeiras.

Tomamos o café da manhã e rumamos para Danji, a capital onde cresci e sofri tanto. Apesar de tudo o que aconteceu, eu ainda sentia saudades de Danji com as suas rebeldes cores que insistiam em insurgir contra a vontade de Sana, com a sua população cada vez maior e o mar e as praias a lhe coroar com maresia, peixes, lembranças, esperanças e novidades vindas de todos os lados. Fiquei pouquíssimo tempo longe de Danji, não foram nem seis meses, mas isso já foi o suficiente para me despertar a nostalgia. Sou um bom filho de Danji, sempre amarei a minha cidade-mãe e a libertarei dos tiranos, mesmo que o Malotl os apoie.

Houveram várias batalhas, mas eram batalhas menores do que a da margem do rio Dza. Eu e Yaiza estranhamos isso, pois a tendência deveria ter maior presença do exército de Gaia na proximidade de Danji. Eles deveriam estar lá para proteger a capital e a sua líder. Então, eu e a minha ex-namorada fizemos duas hipóteses: ou o exército inimigo teve muitas baixas e estava defasado ou eles estavam fazendo alguma armadilha.

Resolvemos ficar mais atentos e nos preparar para uma possível emboscada, pelo menos tentar evitá-la. Entretanto, não contei tudo o que faria à Yaiza a fim de ela não se preocupar demais comigo e com o Tader.

Segundo o que eu sabia, na noite seguinte seria lua cheia e os poderes de campeão do deus Lua e das foices lunares estariam no seu auge, era a hora perfeita para eu agir e acabar com a guerra de uma vez por todas. Decidi levar Tader comigo, pois como o campeão do deus Vazio, ele conseguiria retirar os poderes dos nossos oponentes.

Contei ao gigante de Aima sobre o meu plano e ele concordou em participar. Ele me confessou que tinha a esperança de em breve reencontrar a irmã e dizer a ela tudo o que ele sentia, toda a dor que ela o fez passar.

Tader me contou que após a morte do seu pai, Nak, Gaia aprisionou Miya e o gigante de Aima em uma casa no intuito de evitar com que eles fossem mortos pelos inimigos do pai. Ela ficou obcecada em não perdê-los, não os deixava livres, não permitia que outras pessoas se aproximassem deles, não deixava eles se alimentarem do que queriam por medo de envenenamento, não os deixava ser livre em todos os sentidos e os manteve prisioneiros de sua loucura por três anos.

Durante o tempo no qual aprisionou os próprios irmãos, Gaia eliminou todos os rivais do pai de um modo muito cruel: explodindo-os de dentro para fora com o seu poder de água. Desse modo, a irmã mais velha de Tader unificou todas as gangues dos desertos de Aima e se tornou a grande chefe local, iniciando um reinado de terror até começar a ser chamada por Niana e deixar esse império sangrento para trás.

Eu abracei Tader e disse que sentia muito por ele ter tido uma família tão disfuncional, ele merecia nascer em uma melhor. Nós dois não tínhamos culpa de ser filhos de nossos pais e fomos punidos por isso. Ele passou pelo medo da violência por ter um pai bandido enquanto eu sofria a violência por ter nascido de um homem que teve a sua liberdade roubada. Éramos muito parecidos e diferentes.

Tader e eu aproveitamos como conseguimos o dia ao lado de quem amávamos: conversamos, ensinamos as técnicas de batalha que sabíamos, lembramos de bons momentos juntos... Eles nem desconfiaram que poderia ser a nossa derradeira despedida. Se eles soubessem, será que ainda dormiriam? Será que nos vigiariam e tentariam nos impedir de partir? Ou pior, eles poderiam nos acompanhar nesta importante batalha.

Só sei que eu e o gigante de Aima planejamos deixar o acampamento resguardados pelo brilho prateado do luar, pelo cântico da vida noturna, pela coragem e, quem sabe, pela sorte.

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