Glória

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Levei Tla para uma base onde eu e meus mais importantes aliados nos fixamos após a destruição do casebre de Yaiza. O novo esconderijo era perto de Danji e a viagem foi longa. Conversei com minha irmã e aproveitei para lhe contar sobre como foi minha vida na sua ausência e saber como ela tinha passado durante os seis anos que estávamos separados. Fiquei sabendo que ela havia casado e sido mãe de um garotinho a quem ela chamou de Zoco, mas o esposo dela morreu sangrando diante de capatazes desumanos por ter roubado um pouco de comida para ela. Na época, ela se encontrava grávida e faminta. Pouco tempo depois o filho dela nasceu. Tla o amou, porém ele já nasceu desnutrido e com fome. Infelizmente, o escasso leite dela não foi suficiente para alimentá-lo e salvá-lo da morte faminta que o devorou com menos de um ano.

Chorei em silêncio, porque meu sobrinho sofreu com a pior das mortes: a fome o assassinou em vida, pouco a pouco cada dia. Lamentavelmente, como ele haviam milhões de desnutridos, miseráveis, famintos e minguados. A escassez não se importava com a nacionalidade e todos os muito pobres eram afetados por ela. Quem era escravo vivia sob a ameaça constante da penúria e Tla me informou que lágrimas não abrandariam a miséria. O mundo tragou meu sobrinho em um instante e o pranto não o traria de volta à vida, apenas serviria para avivar o sofrimento. Minha irmã me confidenciou que aprendeu a ser rocha em um planeta de pedra e essa sabedoria era necessária, porque não se vai longe se não for resistente às intempéries da vida.

Mirei Tla, ela permaneceu em silêncio e apenas continuava a caminhar como se o único objetivo da vida dela fosse chegar até onde eu a levava. Ela marchava absolutamente absorvida em seu passado e ao mesmo tempo parecia muito certa de seu destino. Quiçá, eu realmente vislumbrasse o futuro diante de seus olhos. Porém, a dor lancinante era vista em seu olhar. Certamente, minha irmã perecia do sofrimento de quem sobreviveu à morte de entes queridos e apesar disso prosseguiu a vida e a caminhada tal qual um rio que sempre chega ao mar.

Quase todos meus conhecidos perderam seus entes, mas as perdas foram mais extremas com Tla. Não há dor pior do que aquela sentida por pais que enterraram seus filhos. Ainda mais no caso de minha irmã, pois ela nunca ouvirá seu filho dizer as primeiras palavras e nem o verá ensaiando os primeiros passos. No entanto, ela admitiu sua falta de escolha e deveria aceitar a morte do pequeno Zoco a fim de seguir em frente. Tla não queria assombrar seu filho, desejava-lhe paz mesmo que para isso ela tivesse de suportar seu coração sangrando. Vi uma sólida dignidade naquela mulher. Provavelmente, nunca serei tão corajoso perante a dor quanto ela e admiti em silêncio minha falta de serenidade diante das perdas.

Cheguei na base onde os outros rebeldes estavam e ao contar a todos sobre meu reencontro com Tla. Houve uma comoção geral: Hualca correu abraçar a irmã mais velha, ela o acolheu maternal e só nesse momento percebi o quanto parecida com nossa mãe ela havia ficado. Minha irmã se tornou uma mulher magra, baixa, acabrunhada, quieta, miserável e sábia. A voz de Tla também era rouca como a de minha mãe. Emocionei-me muito e a abracei junto com meu irmão caçula, ela se tornou naquele momento mais do que nossa irmã, ela se transformou em nossa segunda mãe.

Logo após o abraço Malotl se apresentou à Tla. Vi como ele olhava com extremo interesse para ela. Faíscas saíam dos olhos dele, ele se aproximava demais de minha irmã e me senti desconfortável com essa situação. Porquanto, meu amigo era muito egocêntrico e imaturo. Malotl era mais um garoto do que um homem e falta de maturidade prejudicaria demais uma possível relação amorosa deles. Mesmo assim não interferi nesse assunto, pois cada um se relaciona com quem quiser.

Depois Yaiza se autodeclarou minha namorada e desejei me esconder. A garota dos olhos negros era tão espontânea que às vezes isso era capaz de me assustar. Entretanto, Tla reagiu bem e em pouco tempo minha namorada foi capaz de conquistar a simpatia de minha irmã mais velha. Yaiza era perigosamente cativante, ela tinha palavras e sorrisos hipnóticos.

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