Compreendendo que eu não adiaria o meu reencontro com o meu irmão e a família de Pemi, Burdealdea calou-se e se juntou a mim nesta viagem. Foi uma longa jornada e notei algumas mudanças no vale. Havia mais vida e cores naquelas paragens, parece que o antigo senhor do mal daquele local roubava a vida daquela região. Senti-me feliz por ter devolvido a beleza para aquela região. Ver as flores brotando onde antes só havia uma terra cinzenta era muito gratificante e nesses momentos eu presenciava o milagre da vida.
Perguntei à minha companheira de viagem se ela já havia visto aquela região daquele jeito e ela me respondeu que aquele local sempre foi assim. Com essa resposta, entendi que aquela terra sofreu na ausência de sua filha tão querida e havia ficado triste ao testemunhar tanta maldade. Talvez fosse um castigo do pai de Burdealdea para aquela região onde a sua filha tanto sofreu. Despertei a vida naquelas paragens da mesma forma quando acordei Burdealdea. Emocionei-me e tentei conter meus sentimentos, eu somente parabenizei minha amiga por ser amada por aquela terra.
A viagem estava tranquila e pensei que no anoitecer já estaríamos no acampamento, porém isso nunca se concretizou. Porquanto, no meio do caminho encontramos a família de Pemi junto com Hualca, mas havia uma presença estranha. Imediatamente, estranhei isso e notei o pesar estampado no rosto de cada um deles. Repentinamente, senti que uma tragédia ocorreu e tive uma súbita vontade de chorar, porque eu já sabia o que isso significava. Talvez o deus Lua estivesse ali para se vingar de mim por ter derrotado o seu filho, temi pela vida dos meus entes queridos.
Senti o mesmo medo quando minha mãe foi sumindo aos poucos e não pude fazer nada, só consegui pedir para ela não me abandonar. No entanto, de nada valeu meu desespero, eu era um garoto tentando enfrentar e impedir a morte de levar quem eu amava.
Comecei a chorar como uma criança desamparada e, entre lágrimas, pedi para o deus Lua poupar aqueles inocentes e castigar apenas a mim. Todos, menos Burdealdea, puseram-se em pranto, aquilo se tornou um velório. Alguns minutos depois, meu irmão caçula respondeu à minha pergunta: ele me contou que ele havia sido escolhido como o campeão do deus da bruxaria por ter bondade e ser um prodígio.
Eu não queria acreditar no que eu acabava de ouvir, porém eu sabia que esse pesadelo era real. Eu havia acabado de ouvir a sentença do meu próprio irmão, ele seria o meu rival no jogo divino.
Fiquei sem ar, o mundo parou enquanto a culpa destroçava minha alma. Sim, as forças do mal almejavam me atingir e por esse motivo colocaram o meu irmão neste jogo tão perigoso quanto divino. Eu preferia que levassem o meu irmão para longe de mim. Durante alguns segundos, minha vida perdeu sentido e eu só queria gritar. Entretanto, não tive voz para isso, tanta dor acabou por me calar temporariamente. Porém, eu não acreditei que meu irmão fosse morrer nas garras das trevas, pois apesar de eu estar disposto a me sacrificar por ele, os outros escolhidos pelos outros deuses não fariam o mesmo.
É verdade que eu me senti orgulhoso dos deuses terem reconhecido o talento do Hualca. No entanto, o pior de tudo era eu ter de conviver com a incerteza de que o meu irmão sobreviveria e isso deveria ser uma espécie de castigo divino: Hualca estaria vivo por muito tempo ou não. O peso do dever de proteger o Hualca dos humanos mais poderosos era uma grande responsabilidade e recaiu sobre mim.
Após eu sair do estado de choque no qual me encontrava, perguntei ao meu irmão o motivo pelo qual ele aceitou a tarefa tão difícil de ser um representante de um deus. Hualca me contou que fez isso para poder proteger todo mundo que ele amava e também queria ajudar a construir um mundo melhor, onde os nossos irmãos não sucumbiriam à fome.
Hualca também me contou que foi visitado pela mesma figura sombria que assombrou meu sonho daquela noite. Ao ouvir essa informação, congelei ao deduzir que aquela mulher das sombras levou minha irmã. Perguntei-me onda estaria a mestra de Tla nessas situações.
Meu irmão me disse que um sono profundo o dominou e ele desmaiou. Hualca relatou o mesmo pesadelo que eu tive, porém com a figura sinistra pediu desculpas e Tla o abraçou. Minha irmã surgiu no sonho de meu irmão e pediu para a sombria soberana proteger Hualca sabe-se lá do que, suspeito que a entidade esteja tentando nos enganar e que ela havia levado Tla para longe de nós.
Aparentemente, a mulher das sombras ficou quieta enquanto Tla lhe cobrava uma promessa. O meu irmão não descobriu que promessa era essa, pois o pai de Pemi conseguiu acordá-lo.
Senti ódio mortal pela primeira vez na vida e confesso que foi a pior sensação vivenciada por mim. Odiei aquela desconhecida com todas as minhas forças, porque ela mal entrou na minha vida e já fez grandes estragos. Decerto, ela me detestava ou tinha muito rancor de algum dos meus dois irmãos. Tudo o que aquela senhora misteriosa fez tinha um apelo mais pessoal do que qualquer ataque ou agressão que eu já havia sofrido antes e por esse motivo senti muita raiva dela. Desejei que essa desconhecida sofresse tanto quanto ela me havia feito sofrer, ela deveria sentir a dor de perder quem amava. No entanto, depois me abominei por ter almejado algo tão sórdido a alguém e odiar aquela covarde não me fazia melhor do que ela de forma alguma. Na realidade, o ódio apenas me igualava a tal mulher desprezível.
Simplesmente abracei meu irmão com todas minhas forças, pois eu suspeitava que ele só tinha a mim nesse mundo e por esse motivo eu não queria soltá-lo. Na verdade, meu maior objetivo era evitar a dor da perda.
Às vezes, a solidão se tornava meu maior medo e para não concretizá-la eu me esforçava até meus limites a fim de não queria deixar quem eu amo ser tirado de mim. Porquanto, eu estava ciente de que quando não temos ninguém a não ser nós mesmos, acabamos tendo de conversar com nossos monstros internos e perceber nossa real insignificância, os seres humanos vivem em sociedade no intuito de evitar situações como essas e se tornar mais fortes. Senti as lágrimas de Hualca me molhando e me afoguei nelas, porque elas eram as minhas também.
Hualca desvencilhou-se de mim e depois disso consegui ver que todos, inclusive Burdealdea, estavam mergulhados em um profundo pesar. Entendi que todos eles precisavam de força e meu dever era lutar por eles contra as trevas até o fim. Indubitavelmente, eu não seria o herói perfeito, sempre soube disso. Mas acima de tudo, eu os amava e isso já me motivava suficientemente para meus combates diários.
Presenciei o insensível pai de Pemi chorando pela primeira vez diante de mim. Aquele homem de aço desabou e se mostrou humano diante da dor. Certamente, ele era falho e havia atitudes dele que eu reprovava, porém o compreendi tal qual um homem controlado pelo desespero. Naquele momento, o pai de minha primeira amada não estava pensando em poder, apiedei-me dele e o consolei. No entanto, ele estava revoltado com a vida e com a morte, ambas não foram capazes de satisfazê-lo e mostraram a fragilidade dele.
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A independência de Dai
FantasyZoco é um jovem bruxo escravizado de Dai. Não bastando as condições adversas ao qual ele é submetido, ele se apaixona por Pemi, a filha do representante da metrópole em Dai... Um amor proibido. Os deuses, principalmente o deus da guerra, não quisera...