Não vou hesitar

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Penelope

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Penelope

O dia amanheceu nublado, e uma sensação de vazio pairava pelos salões da mansão Clifford. O silêncio era quebrado apenas por suspiros e o som abafado de narizes sendo assoados. A tristeza havia envolvido o lugar como um véu pesado.

Nossos corações estavam dilacerados pela perda de Elijah Clifford, e sabíamos que somente o tempo poderia amenizar a dor daquela ferida aberta.

Observei Sarah, sempre impecável em sua postura, agora visivelmente abatida, com os ombros curvados sob o peso do luto. Dante e Henry, com os olhos vermelhos e marejados, tentavam, apesar das diferenças entre eles, dar apoio à mãe e às irmãs, assumindo o papel de chefes da família.

Peet, por sua vez, oferecia suporte emocional e cuidava das questões burocráticas, já que seus irmãos não estavam em condições de lidar com os preparativos do velório e enterro do próprio pai.

Lorde Leopold, sempre solícito, também foi de grande ajuda, prestando apoio à família em tudo o que podia. Eu, Georgie e Dell, recebíamos os parentes que chegavam para a despedida, tentando esconder a dor que se refletia em nossos próprios rostos.

A mansão estava envolta em uma atmosfera densa de pesar, cada canto parecia ecoar a ausência de Elijah. O luto se espalhava como uma sombra, silenciosa e opressiva, e, por mais que tentássemos ser fortes, o vazio deixado por ele era palpável.

Me partia o coração ver os meninos dilacerados daquele jeito. Henry dizia palavras desconexas como se tentasse se desvencilhar do assunto, enquanto Dante permanecia mudo, com os olhos congelados em um ponto fixo e lágrimas escorrendo sem muito esforço pelo seu rosto.

Dell tentou consolá-lo, mantendo-se ao seu lado, mas nenhuma de suas tentativas pareciam surtir efeito. Na verdade ele passou à se isolar e se manter trancado dentro de sua casa, evitando qualquer tipo de contato humano.

De vez em quando, ele saía apenas para fumar, na esperança de aliviar o sofrimento com a nicotina. Quando não o via atravessando o jardim em direção à adega, para buscar consolo na bebida, tentando afogar as dores que o consumiam.

Alguns dias depois, o vi trilhar o mesmo caminho de toda noite, e antes que pudesse raciocinar sobre o que estava fazendo, fui ao seu encontro. Ele havia aberto uma garrafa de conhaque e estava sentado no chão de pernas abertas com sua cabeça recostada na parede de tijolos.

Me aproximei devagarinho dele enquanto o mesmo me fitava, como se eu fosse alguma alucinação provocada pelo álcool. Me abaixei e me assentei ao seu lado enquanto segurava o xale que cobria os meus ombros.

Olhei para ele e uma lágrima silenciosa lhe umedecia os cílios escuros.
Seu queixo tremeu enquanto seus olhos miravam o teto.

Sem dizer nada, o atraí para perto com minhas mãos e recostei sua cabeça no meu ombro, lhe dando um beijinho nos cabelos e os acariciando.

Ele apertou a minha mão contra si e a segurou, como se eu fosse uma espécie de bote salva vidas.
Permanecemos assim por algum tempo até que o sono começou à me alcançar, então toquei seu rosto e o afastei devagar.

— Pen...

— Não diga nada. As palavras só tem nos afastado. Vamos manter assim...

Ele acenou com a cabeça.

— Eu só quero dizer... — Pausou — Obrigado. Eu precisava disso.

Uma leve curva se fez nos meus lábios e lhe dei um beijo na bochecha. Eu sabia que ele precisava de carinho e no fundo sabia que eu precisava daquilo também.

— Você precisa superar Dante. Se não por você, por mim. Não suporto te ver afogando a tristeza em bebidas e nicotina... Precisa lutar.

— Ele morreu aqui por minha culpa. — Sua voz era embargada e carregava sofrimento.

— Dante, sua mãe já disse várias vezes que ele reclamava de formigamentos no braço desde cedo. Não se martirize. Nenhum de vocês têm culpa do que aconteceu.

— Mas eu poderia ter evitado. Poderia ter prestado atenção nos sinais...

— Quando é pra ser, não há nada que possa ser feito. E tenho certeza de que seu pai não gostaria de te ver se auto castigando dessa forma. Por favor, você precisa dar a volta por cima.

Seus lábios se comprimiram e ele pareceu se dar por vencido. — Eu sei. Eu vou... Vou tentar.

— Promete?

— Prometo.

Me aproximei a fim de me despedir dele e beijei sua bochecha, acertando o canto de sua boca.
Ele me encarou com intensidade por um momento e segurou com força o meu punho me trazendo para perto, mas como se hesitasse, o soltou pouco à pouco.

— Me desculpe.

— Tudo bem. — Engoli em seco e arranhei minha garganta. — Boa noite, Dante. — Me virei e tomei caminho até a porta.

— Miúda...

— Sim? — Girei meus calcanhares em sua direção.

— Você realmente quer ficar com Henry? Digo, de verdade...? Você o ama?

Haviam se passado meses e acabei construindo uma relação satisfatória com Henry. Não no sentido físico, porque ainda não estava preparada para elevar o nível em que estávamos, mas acabei encontrando nele alguém que me oferecia conforto e estabilidade, e isso era por enquanto, o suficiente.

— Ele me faz feliz. — Respondi em tom baixo.

Dante suspirou fundo e acenou levemente ao tocar a minha mão com carinho.

— É tudo o que eu quero miúda. Só quero que você seja feliz. — Pausou —  Mas...

Continuei o encarando ansiosa para saber o que ele tinha a dizer.

— Sim?

— Mas se ele a magoar, vou roubá-la para mim. — Seu olhar intenso fraquejou os meus joelhos. — Sem pensar nas consequências.

Algo dentro do meu peito se estremeceu ao ouvir aquela promessa.

— Dante...

— Eu falo sério miúda. — Ele falou com sua voz firme acompanhada de uma vulnerabilidade que eu não esperava. — Eu posso suportar o fato de estarem juntos se ele te fizer feliz. Caso o contrário, não vou hesitar em tomá-la de volta. — Pausou — Não vou hesitar.

As palavras dele ecoaram em minha mente, e o peso do que ele estava dizendo se tornou inegável. Dante, com toda sua força e postura, revelava uma parte de si que sempre ficava oculta, uma parte que estava disposta a lutar por mim. O ar entre nós ficou pesado, carregado de algo não dito por muito tempo.

Prendi a respiração por alguns segundos fitando seus olhos escuros. — Eu preciso ir. — Foi tudo o que consegui dizer.

Ele soltou a minha mão e lhe dei as costas rumo ao meu quarto. Fechei a porta e recostei a minha cabeça nela com a mão sobre a testa.
Tudo aquilo foi intenso demais e senti que poderia me derreter diante da sua presença implacável.

Busquei forças para me recompor e refleti sobre tudo o que estava em risco. Seu título, minha amizade com Dell, meu noivado com Henry...
Tinha muito à perder.

— Isso vai passar Pen. Algum dia vai passar.

Olhei em direção da janela e vi Dante com um maço de cigarro nas mãos. Ele olhou para a embalagem por alguns segundos, inspirou e a jogou fora no lixo, seguindo caminho até sua casa.

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Corações de argila - Penelope Crane Onde histórias criam vida. Descubra agora