Capítulo 32 - Lembranças Distantes, e um Gato

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Eu lembro daquela noite mais escura do que o céu sem estrelas.

A chuva estava forte, batendo contra as janelas, e o vento assobiava como se estivesse com raiva.

Eu estava no meu quarto abraçada com a minha boneca, olhando a porta entreaberta.

Mamãe estava no corredor, andando rápido, pegando coisas e enfiando tudo em uma mala, como se a casa fosse desabar.

Vai ficar tudo bem, querida — ela disse quando me viu.

Mas o rosto dela estava pálido, e a voz soava estranha, como se estivesse com medo.

De repente, eu ouvi um barulho muito forte lá de baixo.

Era o papai, gritando o nome da mamãe com raiva. Ele sempre ficava bravo, mas daquela vez parecia pior.

Mamãe parou na porta e ficou olhando para a escada, com os olhos arregalados. Ela segurou minha mão com força e começou a me puxar, rápido.

— Não solta minha mão, tá bom? — Ela falou baixinho, me puxando para as escadas.

Eu segurei firme, sem entender direito o que estava acontecendo. Só sabia que o papai não estava nada feliz.

Quando descemos as escadas, eu vi o papai no final delas, de pé na sala, com uma cara assustadora.

— Eu aceito que vá embora, Charlotte — ele disparou, com uma frieza que arrepiou a minha espinha. — Aceito que me deixe aqui, após todos os luxos e coisas boas que dei a você. Mas não vai levar minha filha...

Minhas mãos tremeram quando pensei na possibilidade de ser deixada por minha mãe.

Não que eu não amasse o meu papai, mas ele estava doente. Muito doente.

— Thomas — disse a mamãe, tremendo de medo mas com bravura em sua voz. — Você enlouqueceu se pensa que vou partir sem minha filha.

Hoje eu penso que a mamãe deveria ser muito corajosa para conseguir enfrentar o meu pai.

Na minha cabeça de cinco anos, o papai sempre foi grande.

Mas naquela noite, ele parecia ainda maior, quase como um gigante.

Ele tinha os olhos arregalados, e toda vez que ele gritava, parecia que os olhos iam pular para fora.

As bochechas dele estavam vermelhas, o rosto inteiro inchado, como se ele estivesse preso dentro da própria raiva.

O cabelo dele, normalmente bem penteado, estava todo desgrenhado, caindo sobre a testa e grudando na pele suada, e tinha algo nos olhos dele que me fazia querer olhar para qualquer lugar, menos para ele.

Quando ele olhava para mim e para mamãe, era como se ele não nos enxergasse mais, como se estivesse vendo outra coisa, uma coisa feia que ele odiava.

Papai avançou em direção à mamãe, com a mão levantada como se fosse bater.

Eu fiquei com medo de verdade, mas antes que ele pudesse atingir ela, algo estranho aconteceu.

Era como se o ar ao redor dele tivesse ficado pesado, e ele parou de repente, como se tivesse batido numa parede invisível.

— Demônio intrometido... — ele murmurou como se não quisesse que ouvíssemos.

Ele tentou andar, mas não conseguiu dar um passo à frente.

Ele estava preso ali, sem entender o que tinha acontecido.

Papai olhou ao redor, furioso, mas parecia que algo o segurava.

O Demônio do FarolOnde histórias criam vida. Descubra agora