CAPÍTULO 3 - PALAVRAS NÃO DITAS

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O apartamento estava novamente em silêncio quando cheguei, mas desta vez, havia algo de diferente no ar. Não era o silêncio solitário de todas as outras noites, mas um que parecia carregado de expectativa, como se o espaço estivesse esperando por algo. Ou, talvez, alguém.

Fechei a porta devagar e encostei a bengala ao lado, sentindo a familiar segurança que meu espaço me dava. Mas, por mais que eu tentasse ignorar, havia um peso crescendo em meu peito. Jenna Ortega. A tarde que passamos juntas parecia ter mudado algo fundamental em mim, como se, de alguma forma, eu tivesse deixado uma porta entreaberta que por anos mantive trancada.

Soltei um suspiro, caminhando até meu canto de caos artístico. As telas, algumas ainda secando, não me trouxeram o mesmo conforto de sempre. Passei os dedos por uma delas, sentindo as texturas que eu criara, mas a conexão com minha arte parecia tênue. Eu sabia por quê. Não era apenas a excitação de conhecer alguém como Jenna; era o medo.

O medo de que ela pudesse, eventualmente, ver além das palavras não ditas. Além da máscara que construí para o mundo. Além da intersexualidade que mantive em segredo.

Eu nunca falei sobre isso com ninguém. Nem amigos, nem colegas, e certamente não com alguém que eu mal conhecia. Meu corpo sempre foi uma fonte de insegurança. Embora eu tenha me tornado boa em esconder essa parte de mim, o peso de carregar essa verdade em silêncio nunca foi fácil. E agora, com Jenna entrando em minha vida, mesmo que de forma breve, esse segredo parecia maior. Como um gigante adormecido prestes a despertar.

Toquei meu peito, sentindo o coração bater forte. "Será que ela perceberia?" Esse pensamento me atormentava. E se, em algum momento, ela descobrisse? E se ela me julgasse, se afastasse, ou, pior, sentisse pena? Era difícil imaginar todas as maneiras pelas quais aquilo poderia acabar mal.

A barulhop do celular me tirou do devaneio. Meu coração pulou no peito, como se soubesse quem estava do outro lado da notificação. Hesitei por um segundo antes de pegar o telefone e ativar o leitor de tela.

Era Jenna.

"Oi, Julie. Estava pensando em você. Queria saber se posso te ligar mais tarde? Queria te contar sobre algo engraçado que aconteceu hoje no set. :) Espero que você tenha tido um bom dia."

Um pequeno sorriso surgiu nos meus lábios ao ouvir a mensagem, mas logo senti o medo voltar, apertando meu peito com força. Jenna estava se aproximando de mim, e eu estava começando a gostar disso mais do que deveria.

Escrevi uma resposta breve:

"Oi, Jenna! Pode ligar sim, eu adoraria ouvir o que aconteceu. Meu dia foi tranquilo."

Enviei a mensagem e, em seguida, caminhei até o sofá, sentando-me com um suspiro pesado. O que eu estava fazendo? Eu nem sabia se estava pronta para isso. Para deixar alguém entrar. Para deixar ela entrar.

Meus pensamentos corriam, e as inseguranças que tentei suprimir durante tanto tempo começaram a vir à tona. Tantos anos tentando me aceitar, tentando me sentir confortável no meu próprio corpo, e agora, com Jenna, o medo de rejeição parecia ainda maior. E se, ao se aproximar, ela descobrisse? Eu mal suportava a ideia.

O som do celular vibrando novamente me tirou desses pensamentos sombrio, me virei em direção ao celular e a assistente de voz informa que era uma ligação.

- Jenna. - sussurrei para mim mesma, enquanto apertava o botão para atender.

- Oi, Julie! - a voz dela veio com uma alegria que imediatamente me fez sentir um pouco mais leve.

- Oi, Jenna. - respondi, tentando manter a calma na voz. - Como foi o dia no set?

- Ah, você não vai acreditar no que aconteceu. - ela começou, rindo antes de continuar. - Estávamos gravando uma cena super séria, algo sombrio, sabe, no estilo Tim Burton. E então... bem, eu tropecei. Tropecei feio, Julie. E bem na frente da Winona! Eu pensei que nunca mais ia conseguir olhar para ela sem morrer de vergonha, mas ela foi super fofa e começou a rir também. Acabamos repetindo a cena umas dez vezes até conseguir.

AMOR EM CORES VIVAS - JENNA ORTEGA / GP!Onde histórias criam vida. Descubra agora