Capítulo 35

588 63 0
                                    

O jantar finalmente havia acabado. Depois de tanto fingimento e tensão, era um alívio ver os convidados se preparando para ir embora. Porém, antes que eu pudesse respirar fundo, meu pai, Donato, ordenou que eu acompanhasse a família de Valentina até a saída. Suspirei, já sem paciência, mas obedeci, mais para evitar outra cena do que por respeito.

Quando chegamos à porta, a mãe de Valentina lançou um olhar cúmplice para a filha antes de se afastar, murmurando algo sobre “dar um pouco de privacidade”. Valentina ficou ali, parada na minha frente, com um ar indecifrável. Foi quando notei um leve hematoma perto do couro cabeludo dela, parcialmente escondido pelo cabelo, mas ainda visível sob a luz suave do hall de entrada.

— O que aconteceu aí? — perguntei, franzindo a testa, embora já esperando uma desculpa qualquer.

Valentina hesitou um instante, depois sorriu, mas de um jeito forçado.

— Ah, nada demais — respondeu, com a voz doce demais. — Eu... me bati. Coisa boba.

Observei-a por um momento, desconfiado, mas antes que eu pudesse questionar mais, ela se aproximou, mordendo os lábios como fazia quando tentava ser sedutora.

— Sabe, estava pensando... — começou, com a voz baixa, quase como um sussurro. — A gente podia passar o final de semana na minha casa de campo. Como nos velhos tempos. Só nós dois. Eu sei que não tem sido fácil para você ultimamente, mas eu posso ajudar a aliviar seu estresse. — Seu olhar insistente e o sorriso ensaiado eram claros: ela estava fazendo de tudo para me fazer ceder, como se estivesse tentando agarrar o pouco de controle que lhe restava.

Engoli em seco, sentindo uma repulsa profunda. Tudo nela — desde o jeito que falava até as insinuações — parecia sufocante, como um lembrete de toda a falsidade daquela noite. Com um tom frio e seco, cortei qualquer esperança que ela pudesse ter:

— Eu vou dispensar. Eu tenho coisas para fazer.

O sorriso dela se desfez, e seus olhos estreitaram com frustração. Por um momento, pensei que ela fosse insistir, mas, ao invés disso, sua expressão mudou. Ela me olhou com uma mistura de raiva e amargura.

— Claro. Ocupado... por causa da novata, não é? — Sua voz estava carregada de ressentimento. — É sempre ela, Nicolo. Tudo mudou desde que ela apareceu. Eu te conheço há anos, mas desde que Amanda chegou, você não é o mesmo.

Revirei os olhos, tentando manter a calma, mas as palavras dela despertaram um misto de irritação e dor. Ela estava tentando colocar toda a culpa em Amanda, como se tudo o que estava acontecendo na minha vida fosse culpa dela, e não das escolhas forçadas que me empurravam para longe do que eu realmente queria.

— Não coloca ela nisso, Valentina — respondi, firme. — As coisas mudaram, sim, mas não é só por causa de Amanda. Você e eu sabemos que isso aqui não é o que eu escolhi.

— Você vai acabar percebendo, que às vezes, aceitar as coisas é a única opção.

Ela me lançou um olhar furioso, e por um instante, seu rosto pareceu se desfazer em um amontoado de emoções contraditórias. Mas, sem conseguir encontrar uma resposta, virou-se bruscamente e saiu em direção ao carro.

Assim que a vi sumir do meu campo de visão, soltei um longo suspiro, sentindo o peso de tudo finalmente diminuir. Mas só por um instante.

Depois de voltar para dentro de casa,vi meus pais e meu irmãozinho ainda na sala de jantar.Donato tinha uma expressão de raiva no rosto,já esperava alguma advertência dele e suspirei.

— Qual é o seu problema,Nicolo?Me diz por que tem que ser um filho tão ingrato?— Ele falava aumentando o tom da voz enquanto passava a mão pelos cabelos.— Parece que quanto mais os meses passam,mas a sua atitude piora.Temos sorte que o pai de Valentina é um homem compreensivo.

— Eu já disse que vocês não irão tomar mais decisões por mim,achou que eu estava brincando,Donato?

Ele avançou para cima de mim com ainda mais raiva, os dedos apertando minha camisa como se pudesse me dobrar só com isso.

— Eu sou seu pai e vou decidir o que é melhor para você e para essa família, moleque ingrato! — Donato gritou, o rosto contorcido de fúria.

Cerrei os punhos e senti meu peito inflamar com a revolta, mas mantive a voz controlada ao responder.

— O que é melhor pra você, quer dizer? Porque é isso que importa, né? Não é sobre a família, é sobre os negócios e seu orgulho idiota. — Eu disse, com a  voz afiada e fria.

A tensão no ar era sufocante, e minha mãe finalmente interveio, com a voz nervosa e quase chorosa.

— Ippolita, ponha o Marco na cama. — sua voz tremia. Ela sabia que as coisas iam piorar.

Ippolita, fiel e rápida como sempre, correu até Marco e o guiou para fora da sala. Mesmo sem olhar, eu sabia que meu irmãozinho estava confuso, e isso só aumentou minha revolta.

Donato parecia ter perdido qualquer paciência, me sacudindo como se isso pudesse fazer alguma diferença.

—Você se acha muito esperto, não é? Esse joguinho não vai durar! Vai acabar arruinando tudo que eu construí para essa família.Você esqueceu o que está em jogo?

Por um momento pensei em Amanda,se esse desgraçado falou algo para ela.Afinal,ela descobriu esse contrato ridículo de casamento. Se eu descobrir que Donato fez algo para Amanda,o destruiria.

— Pra essa família? — cuspi as palavras de volta, me desvencilhando das mãos dele com um puxão brusco. — Só construiu um nome pra si mesmo e um futuro pra seus negócios, nada disso é pela gente.

Ele me olhou com algo que parecia uma mistura de surpresa e desgosto, mas não vacilou.

— Você é só um moleque mimado, não entende nada do que é necessário para manter isso de pé. Essa ideia ridícula de que você tem escolha vai custar caro.

Eu dei um passo para trás, respirando fundo. Meus punhos estavam cerrados com tanta força que senti as unhas cravarem na pele. Por um segundo, pensei em reagir de volta, mas só encarei Donato com o olhar frio e decidido.

— Prefiro perder tudo do que continuar vivendo essa mentira que você chama de família.

Mariza, até então em silêncio, olhou para nós dois, e eu pude ver o cansaço no rosto dela, misturado com medo e tristeza. Ela tentou se aproximar, a voz baixa e incerta.

— Donato, já chega. Isso não vai ajudar em nada.

Ele me lançou um último olhar de advertência, mas se afastou, virando-se para Mariza.

— Vamos ver até onde ele aguenta sem nosso apoio. Logo vai perceber que essa liberdade é só uma ilusão.

Tra il Sole e il Mare (Sem Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora