Defying Gravity

148 18 0
                                    

   O cheiro... O cheiro impregna o meu nariz, enquanto começo a despertar. Ouço passos e risos de um pequeno grupo de pessoas. Estou sentindo meu corpo preso, meu rosto colado ao chão. Não estou em uma posição muito boa. Ainda ouço o urro das árvores, o barulho lá fora. Um barulho estranho, algo que me causa medo. Ainda estão matando alunos.
    — A guerra, quando bem articulada, é muito bem vinda. E consegui articular tudo. Castelobruxo banhada em sangue será o recomeço desejado para todos nós. Ao conhecer Kade, aqui presente, uma jovem admirável, compreendi qual seria o próximo passo que seguiria. Conheço sua avó desde os tempos de Castelobruxo. Era uma aluna brilhante, fascinada pela magia das trevas indígena. Sempre mencionava como a mãe havia se apropriado dos conhecimentos de uma tribo do Marajó durante uma visita a uma fazenda de búfalos no Pará, após deixar a Bahia, durante as férias. Ambas éramos defensoras do Bem Maior. Após concluirmos os estudos, viajamos juntas para Nurmengard com nosso grupo de rebeldes. Embora tenha optado pela política em prol dos trouxas, com o intuito de agir livremente contra eles e ajudar meus amigos quando fosse necessário, nunca me afastei de meus verdadeiros companheiros. Kade desempenhará um papel fundamental em meus projetos futuros por aqui. É a neta que sempre desejei, um motivo de orgulho para Caetana. — Escuto a voz de Dao Hom falar, mas não vejo onde estamos.
    Sei que não estamos no templo porque as vozes ecoam de outra forma dentro dele. Estou amarrada e vendada. Sinto cheiro de sangue. Sei que é o cheiro de sangue humano porque já senti algumas vezes. As vezes, faz parte do ofício.
     — Como pode ter mandado alguém me matar, vovó? — Escuto a voz de Mon.
     — Por que solicitei que a mordaça fosse retirada dessa pessoa inútil? Ela não se cala! — A mulher fala em tom de deboche. — Devo ter tido clemência de minha neta.
     — Quer que eu coloque novamente, milady? — Goyle pergunta.
     — Goyle, seus esforços foram notáveis. A eliminação de Viktor Krum foi um feito digno de elogios. Sua contribuição para esta instituição é inegável. — Ela parece sorrir.
     — Maracujá enrugado! Nem feitiço de plástica dá jeito! — Mon está pedindo para morrer, não é possível!
     — Agradeço, milady. Não fiz mais do que a minha obrigação. — Ele parece estar feliz.
     — Sem dúvida, transmitirei meus elogios à alta cúpula. Em breve, você poderá retornar à Inglaterra. — Ela parece satisfeita.
     — Obrigada, milady. — Ele também.
     — Ameixa seca da Avenida Paulista! — Mon continua e penso seriamente em jogar um feitiço nela para ela calar a boca.
     — Quanto a você, Kade, cumpriu à risca o combinado. Capturou Mon, libertou Tee do feitiço Imperius que Krum havia ordenado Mon lançar sobre ela, o que foi fundamental para nosso sucesso, e a deixou aqui para ser a última a perecer. Declararei que cheguei a tempo de presenciar sua vitória no duelo contra minha neta, que, lamentavelmente, constitui uma vergonha para mim, que sempre lutei pelos direitos dos povos. Não permitirei que meu partido tome qualquer medida em defesa dos indígenas que a apoiaram nesse ataque terrível. E apoiarei Kade a ser a nova ministra, como minha sucessora, meu orgulho. — Ela faz uma voz de drama.
     — Sua morcega velha... Abóbora murcha! Deixe só eu sair daqui para ver uma coisa! — Mon grita.
     — Cale-se! Tu és uma inútil, assim como sua mãe, Kornkamon! Dediquei toda a minha vida a construir um mundo melhor para mim, enquanto sua mãe preferiu refugiar-se em Poços de Caldas, aquela cidade inóspita no interior de Minas Gerais, ao lado daquele homem tão inútil quanto ela. Inclusive, cogitei utilizar de meu poder político para transformar aquele maldito vulcão em uma mina de ouro, que é apenas para isso que serve o estado de Minas Gerais. Entretanto, o partido adversário já havia vendido o vulcão a uma empresa francesa em mil novecentos e noventa, através de uma licitação de privatização. Minha intenção era a de tornar Poços de Caldas uma fonte inesgotável de magia, transformando a região em um santuário exclusivo para bruxos, assim como Mahoutokoro. Seria um refúgio para os verdadeiros praticantes da magia, mas a sua mãe, destituída de qualquer ambição, não me auxiliou em nada. É uma inútil! Por isso, casou-se com aquele miserável, fracassado, indigente! Um homem que não serve para nada! Aquele verme que se autoproclama descendente de um importante bruxo inglês, vivendo sob uma falsa aura de poder ao qual jamais possuirá. Suas formas coloquiais são deploráveis... Aquele linguajar chulo mineiro que ele utiliza com tamanha frequência, o tornando um boçal. Ocê tá inu? Que lástima irremediável vê-lo desempenhando esse papel ridículo de falso bruxo! Nem sequer possui a decência de me chamar de Vossa Excelência, como seria de se esperar. Sempre foi ocê, cocê, procê... Como minha filha pôde abandonar o lar, em São Paulo, para casar-se com uma pessoa tão desprezível? Como alguém tão repugnante pôde ter nascido do meu ventre poderoso? — A avó da Mon fala e sinto o nojo que ela sente da filha em sua fala.
   — Não fale isso da minha mãe, velha monstra da porra! Chupa cabra de Urutu! — Mon grita, cheia de ódio.
   — Calada! Eu sou a lei neste lugar! — A senhora fala em um tom seco. — Kade, minha querida, concedo-lhe plena liberdade para dispor de ambas as duas à sua vontade. Alimente-se delas à exaustão, se assim o desejar. Quanto aos demais acontecimentos, divulgaremos que se tratou de um ataque bárbaro e injustificado por parte dos indígenas, incitados por minha neta e seu grupo, sob o comando de Viktor Krum. Teremos, finalmente, um pretexto para eliminar todas essas tribos inúteis. E poderemos, de forma definitiva, sermos um único grupo, unindo a todos em prol do sangue mágico, limpando o mundo de quaisquer imperfeições que possam haver. Goyle, compareça ao meu gabinete na segunda-feira. Elaboraremos uma legislação que autorizará a caça aos indígenas a partir desta semana. Comunique a todos os envolvidos. A caça começará em breve!
   — Bolo de aipim enrugado que parece cu! — Mon, pelo amor do amor!
   — Certamente, milady. — Goyle parece estar satisfeito.
   — Pare de se achar a fodona e se fingir de surda, vovó... O que você não sabe, sua múmia de Machu Picchu, é que eu descobri esse seu planinho de merda naquela sua viagem para Manaus para visitar a Sam no hospital. Como foi tão burra de falar com aquele seu assistente de merda sobre seus planos, sabendo que eu estava em casa? Eu não te deixaria passar por cima de tudo e todos para conquistar seus planos de merda. Se eu posso ter uma única alegria em ser sua neta, é que sua fortuna vai ser toda minha! Como pode ser tão sugada, velha infeliz? Foi obra de dementador? Ele beijou essa boca murcha? Tá tão na seca que tá precisando beijar dementador? — Mon começa a rir.
   — Não tolerarei mais suas insolências, Mon! Lembre-se, você está sob minhas ordens! Kade, minha querida, faça o que for necessário para silenciá-la. Mostre-lhe o preço da desobediência. Ela não merece piedade. Ataque-a! — Um estrondo é ouvido e penso que Mon está morta, o que me faz sentir a maior dor que já senti na vida.
   — Quem imaginaria que nos veríamos novamente em Castelobruxo, Dao Hom!    — Escuto a voz da minha avó. — Pelo visto, cheguei bem na hora! O urutau chegou bem a tempo, Mon!
   — Sobre o que está falando? — A avó de Mon parece perplexa.
   — Não acreditou, mesmo, que eu deixaria a minha neta sendo cuidada por você e namorando a sua neta sem a proteger das suas maldades, acreditou? Você é uma tola, mulher! — Minha avó começa a rir.
   — Sobre o que está falando, Fon! — A avó da Mon fala friamente.
   — Não tenho tempo para discursos. Quem é a adepta dos discursos públicos é vossa senhoria. Eu sou mais de manter o bico calado e agir. — Minha avó fala e sinto meu corpo ser solto do feitiço, o que me faz levantar rapidamente, enquanto tiro a venda dos olhos.
   — Mon? — Olho para o lado e vejo-a em pé e bem, o que me faz sentir alívio.
   — Kade, você é minha! Venha, minha querida! Venha com a mamãe! — Mon olha para Kade com um olhar de quem vai finalmente realizar o maior desejo da vida, enquanto a chama com a mão.
   — Vai duelar sem varinha, querida? — Kade ri como se a piada fosse boa.
   — Calem-se todos! Me explique o que faz aqui, Fon! O que veio fazer aqui? Me diga! — A avó da Mon não parece mais ser aquela mulher calma de sempre.
   — Cale a boca você, velha maldita! Agora, vai ver o que é bom para a tosse! — Mon debocha da avó.
   — Veja bem como fala comigo, mocinha! — A mulher parece espumar pela boca sem tirar os olhos da minha avó.
   Minha avó está parada na entrada sem usar uma varinha. Ela nunca gostou muito de usar varinhas, se pode usar as mãos. Sinto a calma de ver que não fui abandonada aqui. Ela veio me buscar.
   — Já disse o que estou fazendo aqui. Está com surdez nessa idade? Não pensei que você estivesse tão acabada pelo tempo, Dao Hom. Já está com surdez avançada? Precisará ser eliminada por esse seu grupinho que não aceita defeituosos, se continuar assim. Mas de qualquer forma, paremos com os discursos... Vamos acabar com isso, Flor de Lótus. Não precisamos ir tão longe. — Minha avó inclina a cabeça.
   — Não me chame assim nunca mais! Você morrerá! Cansei de lorotas! Avada Kedavra! — A luz verde ilumina a sala e bate com tudo no feitiço escudo que minha avó fez.
   — Não aprendeu nada, não foi? — Minha avó fala.
   — Como pode? Está sem vari... Ah, que jogo sujo, Fon! Usando da magia africana! Não tem vergonha? Isso é contra as leis da magia, usar daquela magia da África que se recusa a usar a varinha. Está no código... — A avó da Mon parece estar com muito ódio.
   — Contra quais leis, mulher? Não existe uma única lei na magia que impeça qualquer bruxo de fazer a magia com o corpo. A magia está em nosso corpo, está em nós, não nas varinhas! Elas só são um instrumento. Nós somos a magia! Como conseguiu ser uma política tão influente e uma membro importante desse seu grupinho sendo tão burra? — Minha avó fala com frieza.
   — Como ousa? Ataquem-na! — A avó da Mon manda os capangas atacarem minha avó.
   — Não! — Eu grito e lanço um feitiço de proteção.
   Uma explosão é causada pelos feitiços lançados ao mesmo tempo. Cadeiras que estão espalhadas e corpos que estão caídos no chão voam para o lado. Mas minha avó está intacta, o que me faz respirar aliviada. Sim, há corpos de alunos em meio a mesas e bancos e cadeiras do salão da escola!
    — Cheguei, Fon! — Tatum aparece com aquele jeito dela e isso me faz sorrir. — Já mandei todos para os lugares. Eles estão procurando os alunos que fugiram para a floresta. Também estão dando um jeito nos encapuzados. É muita gente para procurar, mas dizem que darão conta.
    — Muito bem... Agora, chega! — A avó da Mon grita mais ainda.
    — Obrigada, Tatum. Trabalho incrível! Agora... — Minha avó olha para Dao Hom. — Vamos duelar. Estou cansada dos seus chiliques!
    — Será um prazer a matar depois de tudo. — A mulher começa a rir.
    — Tudo o que? — Minha avó pergunta e todo mundo fica olhando para as duas.
    — Você me traiu! — A mulher grita.
    — Me poupe, mulher! Vamos duelar que ganhamos mais! — Minha avó revira os olhos.
    — Que delícia! Duelo de velhas! — Mon começa a rir, se abaixa e pega a varinha de uma morta. — Mas vou duelar com aquela ali, uai. Kadezinha! Vem?
    — Oxe, agora! Vou te transformar em vatapá! Ou melhor, em buchada de bode! — Kade se coloca em posição, enquanto eu olho para as duas sem entender nada porque são duas loucas.
    — Consegui! — Krum se levanta com tudo, o que me faz levar um susto.
    — Credo! — Falo para mim mesma, após sentir o choque do susto percorrer meu corpo.
    — Você não morreu? — Goyle grita.
    — Vocês, Comensais da Morte, não entenderam que quando alguém se sacrifica por te amar, você não morre pelo Avada Kedavra? — Krum rosna.
    — Quem foi a mula que se sacrificou por você? — Goyle fala, rindo com deboche.
    — Se você não sabe quem matou, não serei eu a dizer. Mas você morrerá essa noite. Potter jamais deveria tê-lo salvo naquele castelo. — Krum fala com mais calma e aponta a varinha de algum morto para Goyle.
     — Tee, você é minha! Eu sei que você matou a minha namorada, sua desgraçada! — Tatum grita e percebo que estou no meio de um bando de batalhas apenas como a narradora que vai observar todas elas porque eu não tenho com quem lutar.
     Até que olho para próximo de onde estava Krum e vejo Yuki caída, morta. Não, ela também, não! Todas as minhas amigas se foram! Mataram todas elas! Yuki merecia mais do que isso! Estou sentindo ódio! Por que essas pessoas fizeram isso? Por que tiraram tudo de mim?
     Não é justo! Eu tirei a vida de tantas pessoas e agora me tiraram tantas em troca. A vida é feita disso? Barganhas? Você troca uma vida por outra? Então... Perderei mais de cem? É isso? Todos que se aproximarem de mim morrerão? Pensei que essa maldita maldição já me torturava o suficiente! Pensei que já pagava por toda a vida!
     E aqui estão... Tatum, a única amiga que me restou. Minha avó, o meu grande amor. E Mon, a pessoa que conquistou meu coração e que se juntou com minha avó, nem sei como... Irei perder uma a uma por coisas que me arrependo amargamente e que luto contra? Tirar todas elas de mim não trará ninguém de volta. Vocês deveriam parar de me olhar e me levar de vez, deixar que todas vivam. Cem pessoas não deveriam pagar pelos erros de uma só.
    

Lover (REPOSTAGEM REVISADA E MELHORADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora