Capitulo 50

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Melinda
Eu estava na varanda da fazenda, observando o caos organizado que sempre acontecia quando nossa família inteira se reunia. O cheiro de pão caseiro e carne assada misturava-se ao aroma doce das flores do jardim. Era um perfume que me acompanhava desde a infância e, naquele momento, parecia mais forte, como se quisesse se fixar na memória antes que eu partisse.

Liz e Samuel estavam junto à mesa principal, discutindo algo sobre a ordem dos pratos. Liz, como sempre, queria tudo impecável, enquanto Samuel a provocava, sugerindo trocar as saladas de lugar só para vê-la irritada. Maria e Simon corriam pelo gramado, rindo e gritando enquanto tentavam fazer o velho Max, nosso cachorro, buscar um graveto. Meu coração apertava ao pensar que, em breve, esses momentos seriam mais raros.

Camila, minha prima, estava perto da cerca, gesticulando enquanto ria alto com Thomás, seu irmão. Camila tinha esse dom de tornar tudo leve, até mesmo um almoço que, para mim, era uma despedida disfarçada de festa. Eu sabia que ela viria até mim a qualquer momento, perguntando por que eu parecia tão perdida em meus próprios pensamentos.

Então, eu vi Matteo chegando com Ana e os gêmeos . Por mais que o tempo tivesse passado, ainda era estranho vê-lo ao lado de outra pessoa, tão integrado em uma nova família. Lorenzo  e Bella pareciam mais crescidos do que da última vez, e Cooper estava impecável exibindo sua barriguinha de grávida, como sempre mais linda doque eu gostaria de admitir. Quando Matteo cruzou os olhos comigo, tentei não desviar o olhar. Era difícil, mas eu já estava cansada de deixar essas memórias me controlarem.

Joaquim estava um pouco afastado, mas eu o senti se aproximar antes mesmo de vê-lo. Ele tinha essa habilidade de me encontrar no meio de qualquer multidão. Quando ele parou ao meu lado e tocou de leve no meu braço, foi como se o peso da manhã diminuísse um pouco.

-Está tudo bem?-ele perguntou em voz baixa, o suficiente para que só eu ouvisse.

-Sim,- menti, com um sorriso que espero ter soado convincente. Mas meus olhos traíram minha resposta ao desviar, mais uma vez, para Matteo. Ele agora estava conversando com Camila e Thomás, e a cena parecia tão natural que me senti como uma intrusa.

Era para ser um dia leve, um almoço para celebrar e dizer adeus. Mas a verdade é que nada sobre despedidas era simples, especialmente quando envolviam tantas pessoas e tantas histórias.

Enquanto eu tentava organizar os pensamentos, Liz chamou a atenção de todos, batendo levemente em uma taça de vinho com a colher. O som cristalino ecoou na varanda, silenciando as conversas e risadas aos poucos.

-Está na hora de comer antes que a comida esfrie! -ela anunciou com aquele tom prático e decidido de mãe. Samuel sorriu ao lado dela, claramente admirando o jeito dela de liderar qualquer situação.

Joaquim me deu um olhar encorajador antes de se juntar aos outros. Ele parecia estar se esforçando para encontrar seu espaço naquela dinâmica familiar. Ao mesmo tempo, eu sentia que ele estava atento a mim, como sempre, sem invadir meu espaço. Aquele cuidado silencioso me confortava mais do que eu admitiria em voz alta.

Enquanto todos se ajeitavam ao redor da longa mesa, optei por me sentar perto de Camila. Sua energia leve era exatamente o que eu precisava. Ela se inclinou na minha direção assim que me acomodei.

-Você está com essa cara de quem está prestes a chorar,-ela comentou, baixinho, mas direto como sempre.

-Estou bem,-respondi, tentando parecer convincente. Ela arqueou uma sobrancelha, cética.

-Mel, eu te conheço. Vai me dizer que não tem nada a ver com ele?-Ela fez um discreto gesto na direção de Matteo, que estava do outro lado da mesa, rindo de algo que Thomás dizia. Ana, ao lado dele, parecia perfeitamente à vontade.

-Não tem,- respondi firme, embora o desconforto no meu peito dissesse o contrário. - Só estou cansada.

-Se você diz... Mas se precisar desabafar, estou aqui. Sempre.-Camila abriu um sorriso pequeno e se encostou na cadeira.

Antes que eu pudesse responder, Maria e Simon correram até mim, interrompendo qualquer possibilidade de conversa séria.

- Tia Mel, você vai ficar até amanhã, né?- Maria perguntou, com os olhos brilhando de expectativa.

- Não, querida. Hoje é meu último dia,- respondi, tentando manter a voz leve.

- Mas por quê?- Lorenzo reclamou, cruzando os braços em um gesto exagerado que me fez sorrir. -Você acabou de chegar!

Enquanto eu tentava explicar, senti o olhar de Matteo sobre mim. Não olhei diretamente para ele, mas podia senti-lo. Ele sempre soube ler nas entrelinhas. Joaquim, por outro lado, estava conversando com Thomás, aparentemente alheio à troca silenciosa.

Era estranho perceber que, por mais que eu estivesse avançando em minha vida, pedaços do passado insistiam em permanecer ali, como um lembrete constante de tudo que eu tinha sido.

O almoço seguia animado, e a varanda parecia pulsar com a energia típica da nossa família. Joaquim, como sempre, estava totalmente à vontade. Ele cresceu aqui, no meio desse caos que chamamos de lar. Ele e Thomás já estavam em uma conversa animada sobre algum jogo antigo, enquanto Camila fazia piadas exageradas e arrancava risadas de todos à mesa. Para Joaquim, essa reunião não era novidade; era como voltar no tempo.

Do outro lado da mesa, Matteo observava a cena com um sorriso que parecia ensaiado demais. Ele sempre foi mais reservado e, naquela dinâmica de grupo, isso se destacava ainda mais. Ana, ao lado dele, fazia questão de se envolver nas conversas, mas não parecia tão confortável quanto Joaquim.

Eu estava entre os dois mundos: de um lado, Joaquim, que sempre foi parte de quem eu sou; do outro, Matteo, que representava uma parte que eu já tinha deixado para trás. Era estranho ter os dois tão próximos. Mas isso não era novidade. Matteo sempre soube que Joaquim era meu porto seguro, algo que ele nunca conseguiu substituir.

- É interessante ver como vocês mantêm essa dinâmica, mesmo depois de tanto tempo. -Foi então que Matteo quebrou o ritmo leve da conversa com um comentário que fez todos à mesa olharem para ele. -É como se nada mudasse por aqui.

- Na verdade, as coisas mudam,. -Joaquim olhou para ele, claramente entendendo o subtexto. Ele sorriu, mas havia algo de afiado em sua expressão. -A gente só sabe manter o que importa.

- É verdade. -Matteo inclinou-se ligeiramente para frente, repousando o copo de vinho sobre a mesa. - Algumas coisas nunca se perdem, mesmo com o tempo. Você só percebe o quanto eram importantes quando já ficaram para trás.

A mesa ficou em silêncio por um momento desconfortável, até que Thomás, percebendo a tensão, soltou uma gargalhada forçada.

- Vocês dois parecem políticos trocando farpas no jantar!-ele brincou, tentando aliviar o clima. Camila revirou os olhos, murmurando algo sobre homens e seus egos.

Eu quis intervir, mas Joaquim, sempre tão calmo, tomou a palavra. Ele se virou diretamente para Matteo, o olhar tranquilo, mas firme.

-Algumas coisas nunca ficam para trás, Matteo. Elas só se transformam. O que a gente faz com isso é o que realmente importa.

Clara olhou rapidamente para Matteo, como se pedisse que ele não continuasse. Felizmente, Matteo recuou, levantando o copo de vinho em um gesto casual.
-Bem dito, -ele disse, com um sorriso que não alcançou os olhos.

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