1- Feridas abertas

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Em uma cidade pequena do Brasil

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Em uma cidade pequena do Brasil.

Eu estava correndo perdida em um labirinto. A brisa fria, obscura e noturna transportava aquilo que mais me assombrava: o vazio, a solidão.

Não tenho a noção de quanto tempo faz que alterno entre correr e gritar. Mas ouvir os ecos dos meus passos e da minha voz estava fazendo meus sentidos entrarem em conflito.

E se eu não encontrar o fim? E se a escuridão me possuir?

Quanto mais corria, chegava à conclusão de que não havia uma saída. Estou ficando sem ar, sem espaço.

De repente, vejo uma sombra se aproximando.

-- Eu não tenho medo. Isso não é real! - repito freneticamente, tentando me convencer disso.

Cansada demais para continuar, caio sobre o chão e me encolho entre meus joelhos, como fazia quando tinha um sonho ruim até mesmo acordada.

-- Se eu fechar os olhos o monstro vai embora. Ele não mora dentro de mim. Não mais. - continuo.

Então, ouço uma voz suave, porém penetrante. E o frio, que antes me tomava, foi consumido pela chama de suas palavras.

-- O que faz aqui? - ele diz.

Ergo minha cabeça procurando seu rosto, mas o capuz impedia que este fosse revelado. Algo inexplicável nos conectava, como se nossas almas estivessem interligadas.

Dois buracos negros que se atraíram. Dois vazios que necessitavam habitar o mesmo espaço.

Quanto mais me aproximava dele, tudo que me sufocava instantaneamente desaparecia.

Ele estendeu sua mão para mim e eu a recebi. Sua mão fria em contato com a minha me fez ter a certeza de que juntos encontraríamos uma saída.

Nesse momento, gritos suplicantes vindo de todas as direções invadem minha mente. Formando uma dor aguda incessante no meu cérebro. E aquele homem, o qual despertara em mim sentimentos indescritíveis, desaparece em meio ao nevoeiro.

-- Onde você está? - grito desesperada -- Onde você está? Por favor, não me deixe sozinha! - meus óculos caem na escuridão, procuro-os, mas o medo e a dor angustiante cegam todos os meus outros sentidos.

Não consigo ver além de borrões. Meus batimentos cardíacos aumentam tão rápido que chego a pensar que meu coração quer desmembrar-se do meu peito. Tento respirar, mas minha garganta está se fechando. Sem ar, sinto meu corpo começar a perder seus movimentos, dando lugar a tremores.

Tudo começa a girar, a ficar mais intenso.

Vejo um pequeno ponto de luz se expandindo, e tudo que antes era negro se torna branco como a neve.

-- Acorda Hanna! Acorda! Você vai se atrasar para o grande dia! -acordo assustada sem ar, minha cama está úmida e meu travesseiro destruído.

Sonho a mesma coisa há semanas. Desde pequena, tenho frequentes pesadelos, mas agora não sei distinguir se é apenas um sonho ou é real.

-- Hoje está um lindo dia! Levanta Naninha! - Alice diz, abrindo as cortinas e a janela.

Odeio esse nome, mas esse entusiasmo dela me irritava ainda mais.

-- Fecha a droga dessa janela, Alice! - sabia que ela estava insuportavelmente decidida a me tirar da cama, porém me virei para a parede fingindo voltar a dormir.

-- Você passou o verão inteiro nesse quarto! - diz puxando minhas cobertas.

-- Eu... - ela interrompe.

-- Não venha com essa história de "não está pronta". Já te deixamos à vontade demais, Hanna. Você sabe que só iremos conseguir juntas! - ela faz aquela cara de líder religiosa.

Ah não, não... Ela vai começar com esse discurso de que temos que seguir e blá blá blá. Não sei o que é pior: ouvir esse mantra ou levantar. Escolho levantar, parece o certo a fazer se quiser evitar prolongações.

Corro para o banheiro ultrapassando a Lilly.

-- Ei! Estou aqui há quase uma hora esperando a Sofia sair do banheiro!

-- Desculpa pirralha, fico te devendo essa ok? - bagunço seu cabelo e ela bufa.

-- Como se você costumasse cumprir suas promessas.

E foi como se uma faca cortasse minha garganta. Eu sabia exatamente do que ela estava falando. Eu estava em falta com a última pessoa no mundo que queria magoar.

Tomo banho e subo as escadas, sem conseguir olhar para a Lilly. Quando ela queria era a única depois da mamãe que tinha esse poder de me deixar sem palavras.

A primeira vez foi quando a vi nos braços da mamãe. Aquele ser tão indefeso, seus olhos eram de um azul mar de tão intenso e eu jurei que a protegeria com a minha vida.

Palavras não servem de nada quando suas atitudes mostram o contrário.

***

-- Hanna não vai comer? Fiz cupcakes do jeitinho que você gosta... - Alice diz retirando a bandeja do forno. -- Mas que roupas são essas? Que tal um pouco mais de cor? - reviro os olhos.

Sua necessidade de está no controle de tudo e sua síndrome de perfeição me dão nos nervos. Ela não ia parar de falar se eu não interromper...

-- Cara, você não cansa de ser sempre assim, maníaca por controle? Você não pode fazer com que todos ao seu redor sigam seu modelo de perfeição!

E foi assim que eu já estava completamente tomada pela raiva, lançando a coisa mais mortal que poderia dizer no momento.

-- Você não é minha mãe! Não temos mãe, pai, ninguém! Ah, e sinto muito por seu controle obsessivo não tê-los salvado!

Eu consegui. Em instantes, ela estava chorando.

-- Eu... Eu... Só queria que seu último ano no colegial começasse bem, como... - e não conseguiu completar aos soluços.

-- Como nossos pais gostariam que fosse! - Lilly disparou me olhando com desprezo.

-- Como você pode ser tão insensível? Que droga, Hanna! Essa dor não é só sua. Vê se cresce! Se você não precisa da gente, tudo bem, agora não descarrega seu egoísmo em quem só quer te ajudar! - Sofia diz, levantando-se e saindo da mesa.

Eu tinha automaticamente essa coisa de fazer com que as pessoas ao meu redor em instantes me desprezassem ou tivessem pena da garota sem pais, problemática. E na verdade era o que eu queria, não que tivessem pena de mim, mas que todos se afastassem.

Não sou digna de pena, compaixão ou de nenhum sentimento de piedade. E isso não é ser dramática, é constatar fatos.

Sobreviver ao acidente que eu mesma causei já era meu inferno pessoal. Não precisava de mais ninguém me lembrando disso além de mim. Causei feridas que nunca poderão ser fechadas, portanto caberá apenas a me carregar as consequências.

Bato a porta, pego a bicicleta e sigo a caminho para o que será, terrivelmente, um longo dia.

E se fosse diferente? [Completo+Em Breve Entrará Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora