Guardei o estranho cartão de volta no bolso e caminhei em direção à casa no fim da rua. Minha determinação em encontrar alguém era admirável, até aquele momento a possibilidade de que todos haviam sumido ainda não era real.
Parei em frente à casa onde o audi preto estava estacionado de forma a parecer que alguém estava de visita. Era estranho que o carro não estivesse na garagem como todos os outros.
Entrei na casa com facilidade. A porta sequer estava trancada, me fiz acreditar que esse era um bom sinal. Ignorei os detalhes e a casa bem arrumada, queria encontrar algo fora do padrão, algo que me mostrasse que algum ser humano havia passado por ali.
"O caos é a ordem natural das coisas" meu pai costumava dizer. Parei intrigada com o pensamento. Há muito tempo não pensava nele, aquele "físico de inteligência excepcional" sequer parecia meu pai, era só uma foto com a legenda: ganhador do prémio Nobel.
Subi as escadas não querendo que minhas memórias chegassem até o incêndio. Abri a porta do quarto principal me deparando com um ambiente tirado direto de uma revista de decoração. Doía os olhos. Meu desespero cresceu chegando a um ponto no qual eu escutava o colapso bater à porta.
Andei até o banheiro em largos passos e liguei o chuveiro em cima de mim. Tinha que ser um sonho, eu precisava acordar. Como todos podiam ter desaparecido!?
– 7 Bilhões de pessoas – digo em voz alta surpresa ao escutar minha própria voz.
Olhei para cima sentindo a água gelada cair sobre meu rosto. "7 bilhões" repeti mentalmente sem o mesmo desespero. Eu não poderia ser 1 entre 7.000.000.000, que tipo de pessoa tem a sorte de ser uma entre sete bilhões? Os números me traziam uma nova perspectiva. Tem que haver alguém! Me obriguei a acreditar nisso (mesmo que só um pouco). Era uma boa possibilidade, uma que talvez estivesse me dizendo que somente aquela parte da cidade foi evacuada e o resto do mundo estava muito bem.
6 continentes, 193 países, 36.722 cidades, tinha que ter sobrado alguém.
Abri as mãos deixando a água escorrer por meus dedos criando pequenas cachoeiras. A lógica estava a meu favor, mas não a realidade. Eu queria acreditar que tudo não passava de uma evacuação de emergência causada por um material radioativo que provavelmente estaria me dando câncer, mas quem eu estava enganando? Essa era minha pior teoria, soava como uma desculpa para não encarar os fatos. Sentei no chão deixando minha frustração escorrer com a água.
Desliguei o chuveiro quando meus dentes e minhas unhas estavam mais roxas do que nunca. Mesmo com os aquecedores da casa ligados meus pelos estavam arrepiados. Levantei e fui até o closet procurando roupas secas. Peguei uma blusa solta de botões (a menos cheio de frescura) e coloquei por cima um grande suéter preto feito de uma lã fina e bem trabalhada. Todas as calças que encontrei eram grandes demais, precisei sentar no chão com o secador esperando a minha ficar usável.
Usei o tempo para tentar me recompor, talvez entrar num estado meditativo no qual minha mente escaparia dessa realidade estranha. Descobri, nesse momento, que meditação não era meu forte.
Levantei curiosa vasculhando o conteúdo do armário. Joias, cremes, luvas, chapéus... Dentro daquele luxo todo só uma coisa conseguiu encher meus olhos. Um velho iPod esquecido dentro da caixa de fotos da família.
Peguei o pequeno objeto com todo cuidado e pressionei o círculo do meio, a carga estava em 78%. Um sorriso se abriu em meu rosto. Coloquei os fones querendo calar os pensamentos por um instante. Uma música dos anos 80 começou a tocar, mas não me importei, escutar a voz de outro ser humano era suficiente.
Voltando a direcionava o ar quente para minha calça, olhei a minha volta. Precisava planejar meu grande plano para encontrar pessoas, talvez não naquele exato momento, mas precisava decidir meu próximo passo, do contrário, não escaparia a loucura eminente.
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Forgotten
Science Fiction"Nada fazia sentido. Um dia todas as ruas estavam cheias de pessoas se esbarrando umas nas outras, no outro eu abri os olhos e não havia sobrado ninguém" #4 em Ficção Cientifica (14/MAR)