[04] - A Rainha de... um Mundo sem Súditos

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65 dias.

65 dias se passaram e eu já estava entediada. No início, tudo estava bem, não há do que reclamar com o mundo inteiro a minha disposição.

Assisti sessão particulares de cinema e representei peças de teatro para o vento. Dormi nos melhores quartos de hotéis, destruí um carro e quebrei pratos numa loja de móveis. Li livros que nunca teria lido, dancei com Hayden no meio da biblioteca com o som mais alto que pudemos aguentar. Fui ao zoológico e entrei nas jaulas vazias. Mergulhei em piscinas até que meus dedos ficassem enrugados. Comprei caríssimas obras de arte com meu dinheiro imaginário, ganhei no War pela primeira vez (Hayden não era muito bom). Rolei no chão coberto pelos primeiros flocos de neve e me deleitei dentro de lojas de doces. Observei o céu noturno em partes isoladas de cada país, admirei o oceano escuro. Hayden fizera piadas e eu ria.

A cada música que passava sentia mais a presença dele perto de mim. Mesmo soando como um completo delírio, ele era o que me mantinha presa a realidade.

65 dias. Ele disse em minha mente. Podemos tentar outro continente, uma mudança de ares pode trazer novas perspectivas.

Olhei o cais com os pequenos veleiros atracados. Parecia uma má ideia. Eu não velejava há anos. Sequer lembrava a ultima vez que tinha visitado o barquinho que minha mãe me deixou no cais perto de casa.

O vento soprava forte, jogava meu cabelo para cima enquanto uma tempestade se formava no céu. Aquele não era um bom dia para começar a tentar.

Você consegue, não hoje, mas você consegue. Hayden dizia com incentivo. Afinal... o pior que pode acontecer é você finalmente acabar como a raça humana.

– Obrigada, era exatamente o que eu precisava ouvir!

Cruzar o oceano por dias e dias soava aterrorizante. Eu provavelmente ficaria presa numa caixa de madeira a deriva esperando as gaivotas comerem meu corpo (ah, verdade... não tem mais gaivotas). Já era ruim o suficiente estar sozinha, mas estar sozinha no mar era pior. E se, enquanto eu estivesse no mar, alguém estivesse me esperando em terra?

E se alguém estiver esperando você em outro continente? Ou na lua? Ou na sua mente?

– Sarcasmo, já estamos num nível ótimo no nosso relacionamento.

Precisava de tempo para pensar antes de tomar qualquer decisão. Tiro Hayden da cabeça e subi na bicicleta que estava usando. Comecei a pedalar de volta para o hotel onde estavam minhas coisas. Alguns pingos de chuva começavam a cair. Grunhi de raiva fazendo minha voz ecoar me lembrando, outra vez, da minha solidão. Um trovão soou em resposta e não muito longe um raio tocou o chão. Era uma bela visão, a luz cortando o céu era mais fascinante do que eu era capaz de explicar.

Respirei fundo tentando não surtar com os pingos de chuva batendo em meu rosto.

Cheguei ao hotel completamente ensopada. Fui tirando as roupas e deixando pelo caminho enquanto subia as escadas até o terceiro andar (tinha parado de usar o elevador, pois Hayden havia me lembrado que se eu ficasse presa ninguém iria me salvar. Obrigada! De nada:).

Fechei a porta do quarto atrás de mim e me aconcheguei no roupão felpudo. Deitei na cama colocando um filme para passar no Netflix. A chuva soava alta batendo contra a janela. Me encolhei com um pouco de medo por estar tão sozinha naquele temporal. Coloquei os fones deixando que o filme começasse na tv. Blister in The Sun tocava enquanto eu olhava a chuva cair pela janela, ignorei a ironia deixando meu pensamento vagar.

Lembrei de quando minha mãe me levou para correr na chuva. Ela tinha um amor estranho pela água. O oceano, a chuva, o copo meio cheio... Senti um impulso infantil me tomar. Tirei o roupão colocando uma roupa quente e uma capa de chuva por cima. Encaixei meu par de galochas nos pés e desci correndo para fora do hotel.

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