[12] - Ainda não

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- A GarotA -

Eu era lenta, isso foi o que conclui. Eu precisava andar 80 km, mas, com algum esforço, eu conseguia andar 1km a cada 10min. Em resumo, eu precisava de 800 minutos, ou 13,3 horas (aproximadamente) andando sem parar para chegar até Hayden. Eu já havia conseguido andar por 4 horas e meia na noite anterior e reclamar durante o dia sobre o quão quente estava enquanto me arrastava um pouco sem cobrir muito chão.

Não sei se eu esperava algo diferente, mas o deserto era quente demais, quente num nível tão absurdo que eu podia sentir meus órgãos cozinharem dentro de mim.

"Cala a boca e volta a andar" escutei Hayden em minha mente. Não era sempre que eu conseguia escutar, mas quando eu estava mais cansada ou meus sentimentos estavam fora de controle a voz dele sussurrava em minha mente.

Guardei minha antepenúltima garrafa d'água pela metade. Eu precisava racionar, mas estava claro que eu não era atleticamente preparada para duas maratonas no deserto.

Observei o último raio de sol desaparecer no horizonte dando a largada. Desci a primeira duna sofrendo com o pensamento que teria de subir a próxima. Cada vez mais percebia o quão chata eu estava, não fazia nada que não fosse reclamar. Como Hayden me aguentava? Será que era só porque não tinha ninguém melhor por aqui?

Andei, andei até não conseguir mais (o que não era muito). Mas ao amanhecer minhas pernas cambalearam enquanto eu caia na areia que começava a esquentar. Bebi água com cuidado. Ainda faltavam pouco mais que 40km, não podia deixar que minha água acabasse antes de chegar. Revi meu estoque de comida e coloquei para dentro uma barrinha de proteína. Com sorte chegaria lá exatamente quando tudo estivesse acabado. Se eu errasse qualquer calculo no mapa poderia estar me desviando quilômetros do meu objetivo, então meus mantimentos acabariam e eu morreria no deserto. 

Deitei a cabeça na mochila ficando na sombra recém montada. Ainda tinha cede, mas não podia arriscar. Fechei os olhos com as primeiras gotas de suor saindo da minha pele e escorrendo pela minha testa. Dormir no calor era a pior das coisas, mas eu estava tão destruída que simplesmente apaguei.

▲Acordei no meu mundo particular. Nate estava lá me esperando outra vez. Meu instinto foi correr em direção a ele, mas quando me movimentei não consegui correr, tudo estava pesado, quase em câmera lenta. Me aproximei dele na medida que ele fazia o mesmo imitando meus movimentos. Percebi que ele era meu reflexo naquele espelho estranho.

Fitei seus olhos em meio ao nevoeiro onde estávamos. Era uma espécie de limbo, tudo era uma imensidão sem ordem ou sentido. Eu conseguia andar, mas não havia chão, eu respirava, mas não havia ar. Abstrato e estranho, tudo e nada.

– Não sei quanto tempo temos aqui então só me escuta – ele dizia fazendo com que meus lábios se movessem como os dele e minha voz saísse repetindo o que ele dizia.

Éramos reflexo um do outro. O que ele falava eu falava. Era um eco estranho, uma sensação estranha de falta de controle.

– Não tente lutar contra eles. Eles são muitos, temos que ficar do lado certo até que eu possa trazer todos NóS de volta. Eles roubaram nossas memorias quando chegamos nessa realidade, confiamos neles e eles nos traíram. Eles querem aces– ▲

▲▲Levantei assustada, acordei como se me faltasse ar. Um sonho? Um lugar da minha mente para me comunicar? Não entendia o que era aquilo. Olhei a minha volta levantando de minha cama macia e quentinha. O aroma de eucalipto vinha da brisa que balançava as longas cortinas brancas.

Levantei colocando os pés no chão de ladrilhos Persas. O azul sempre me acalmava quando tinha pesadelos. Azul e dourado, sol e mar misturando-se em desenhos nas paredes que indicavam nossas jornadas por outros universos em busca de uma forma de salvar o nosso. O espelho triangular refletia meu sorriso e o belo longo vestido cinza que combinava com meus cabelos. Minha vontade era de girar para vê-lo balançar no ar.

Corri para fora do quarto empurrando as enormes portas para fora. Segui saltitando pelo longo corredor até a última porta que me esperava entreaberta como se soubessem que eu me aproximava.

Empurro a porta, que por mais gigantesca que fosse, não parecia pesar um quilo sequer.

– Eu amo estar de volta, tudo como era antes – digo entrando e me jogando na cama gigantesca com mais de 30 almofadas.

Olho para o quarto azulado assim como o meu. Detalhes cinzas se misturam como se uma tempestade se formasse. Olho para a enorme sacada a minha frente vendo o pôr do sol rosado. Leykai que estava sentado sobre na grande mesa redonda se levantou e veio na minha direção.

Encostei meu rosto numa das almofadas deixando o tecido felpudo tocar meu rosto fazendo carinho. Ele me olha sorrindo e sinto uma alegria explodir dentro de mim, enquanto dentro dela uma nova alegria surgia criando outro que criava outra num ciclo que queria me fazer pular de felicidade.

Leykai vestia sua roupa favorita. Jaqueta cinza de cortes retos com formas abstratas estampadas em alto relevo. Palavras, palavras de todas as culturas pelas quais passamos. Palavras peculiares com significados impossíveis de se traduzir. 

Senti em suas feições conforto. Ele estava calmo, em sintonia com o mundo, em sintonia com o nosso mundo. Ele se aproximou. Sua pele morena tinha um brilho especial com a luz do fim do dia.

– Você sempre ama estar de volta. Eu prefiro quando estamos no meio, longe de partir ou voltar, nenhuma preocupação sobre absolutamente nada. Só NóS contemplado a beleza do universo.

– Poderia ser mais belo – ergo as sobrancelhas de uma formas que lhe arranca um sorriso.

– Vai ser, só não dessa vez... Mas, ainda bem que estamos no início e nada disso importa. Na próxima, prometo que vamos encontrar as respostas para que nosso universo possa ser realmente infinito e não um ciclo de inicios e fins.

Sorrio. Eu confiava nele com cada parte do meu ser. Eu o amava incondicionalmente da mesma forma que amava Agaris ou Narvi ou Hayden. Hayden? ▲▲

– Hayden!

Acordei, dessa vez de verdade. Minhas roupas estavam encharcadas de suor e o ar estava pesado, quente demais. Sentei puxando a garrafa da lateral da mochila e bebendo um pequeno gole. Aquela memoria... Aquele mundo...

A garota de cabelos prateados e olhos tempestuosos, a garota que eu deveria lembrar. Eu conseguia escutar seus pensamentos, sentir suas emoções, mas ainda assim, não conseguia ser ela. Onde era que estávamos separadas? Será que eu queria voltar a ser ela? Será que um dia voltaria? Era estanho, meu estômago se revirava, mas não de uma forma ruim. Eu estava animada, eu sentia a essência dela dentro de mim, a minha essência perdida, mas eu não sabia como alcançá-la.

Por um instante foi tudo que eu quis. Desejei poder ser aquela garota para alcançar por completo o sentimento que partilhávamos, aquela alegria sem razão aparente. Ela queria saltar, abraçar qualquer coisa, sua alegria era tão grande que parecia querer escapar de dentro dela, de dentro de mim.

Narvi, Agaris, Leykai. Seus nomes finalmente me estavam claros. Eu os amava, não sabia porque, nem quem eles eram, mas sentia no fundo mais escondido dos meus sentimentos um amor incondicional por aquele grupo de pessoas. Era o mesmo sentimento que tinha por Hayden. Não, não era isso. Eu amava Hayden porque ele era uma projeção de Laykai, porque ele me causava a mesma alegria.

Senti falta de Laykai, senti falta de Hayden.

ForgottenOnde histórias criam vida. Descubra agora