Dia + 189. Eu não estava muito entediada. Ainda não entendia como havia conseguido cruzar o mar sem um naufrágio dramático, mas estava feliz que cheguei em terra firme. Na verdade, atraquei no Egito assim que avistei a costa, não queria avisar da sorte. Encontrei um jipe antigo mas bem conservado, estoquei de comida e me pus a rodar. Comecei pelas ruínas mais próximas que encontrei e depois fui até as pirâmides. Não entrei, a entrada estava fechada. Segui para os próximos pontos turísticos onde o outro Hayden tinha tirado fotos e postado. Talvez, em algum deles, eu encontrasse alguma resposta sobre o que estava acontecendo ali.
Admito que não fui muito longe. Continuei até Dubai onde me deparei com uma linda casa à beira da praia. Fiz uma pausa. Passei a me exercitar e preencher meu tempo com o máximo de coisas divertidas. Poucas eram as vezes em que me pegava pensando nas frases enigmáticas e nos bilhetes dourados do Willy Wonka.
Tive tempo para fazer pequenas viagem pelos arredores. Andei com os pés na areia quente de praias paradisíacas e dormi à luz da enorme lua. O eterno som das ondas me dava a sensação perfeita de que estava em férias fugindo da vida agitada. Mesmo que fosse uma ilusão, era suficiente.
Abri a geladeira naquela tarde pegando uma garrafa de suco de limão. Enchi um copo e andei até a varanda sentindo a brisa no rosto. Sentei à beira da piscina com os pés dentro d'água. Hayden estava ao meu lado. O color emanava dele como uma aura mágica. A cada dia, conseguia senti-lo um pouco mais, vê-lo um pouco mais, mesmo que fosse como um vulto fantasmagórico.
Bebi um gole do suco gelado enquanto uma gota de suor escorria por minha testa. Deitei sentindo o sol contra minha pele com a música baixa nos fones de ouvido.
Era fim de tarde, e tons de laranja pintavam o céu. Desejei poder guardar aquele momento para sempre, mas rapidamente ele me escapou. Um som distante me fez levantar assustada.
Primeiro foram notas musicais fora de harmonia, depois o silêncio e então River Flows In You seguiu-se tocando. Tirei os fones que tocavam baixo, não consegui acreditar que a música vinha de fora.
– Hayden, você tá escutando isso? – disse esperando uma respostas, mas ele já não estava por perto.
Levantei e caminhei até a sala o procurando.
– Hayden? – chamei outra vez sem sentir a presença dele, era estranho.
Como eu conseguia perder alguém que morava dentro da minha cabeça? Continuei escutando a música sem saber se era real. Abri a enorme porta e andei até a rua. Haviam mais cinco casas próximas, mas só precisei andar até meu vizinho para descobrir de onde vinha o som.
Subi apreensiva os primeiros degraus que levavam a entrada, bati na porta com expectativa. A música não parou e nenhuma voz respondeu. Girei a maçaneta esperando que estivesse trancada, mas quando empurrei a porta para frente, ela se abriu.
Meus passos foram lentos e silenciosos. Controlei a respiração com medo de que me escutassem. E se fosse uma pessoa? Eu poderia confiar nela? Como ela me encontrou? Poderia ser uma mera coincidência? Ela sabia eu que estava na casa ao lado?
Eu queria tanto que houvesse outra pessoa, mas não tinha pensado como seria encontrar ela.
Encostei contra a parede andando de lado como um espião. Cheguei ate a quina abaixei, me inclinei espiando a sala de onde a música vinha.
Cabelos pretos, blusa azul sem mangas e uma bermuda. O garoto estava descalço com os pés sob os pedais do piano. Me escondi de novo e escutei a música parar. Estava pronta para correr, mas a voz me parou.
– Porque você não entra?
Por um momento meu coração parou. Não era possível. Levantei em transe, entrei no quarto sem controlar meus movimentos. Era a voz de Hayden, a voz que vinha habitando minha mente por tanto tempo.
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Forgotten
Science Fiction"Nada fazia sentido. Um dia todas as ruas estavam cheias de pessoas se esbarrando umas nas outras, no outro eu abri os olhos e não havia sobrado ninguém" #4 em Ficção Cientifica (14/MAR)