ElA
– Entendeu? – Nate me perguntava.
Balancei a cabeça sem muita certeza, era muito para absorver.
O mapa do Quarto Continente estava projetado sobre a mesa. Eu via a topografia em 3D podendo tocá-la e explorá-la. Era um continente projetado para os humanos, feito para proporcioná-los o máximo aproveitamento e adaptação. Eram duas grandes massas de terra redondas que se tocavam, dois círculos que juntos formavam um oito sem os buracos do meio, como duas ilhas coladinhas. Era uma terra boa para plantar com as montanhas de fácil acesso, temperaturas amenas e as águas calmas.
– Era como a terra, antes dos humanos começarem a destruí-la – Nate dizia dando um peteleco na projeção a fazendo rodar rápido.
Eu admirava curiosa, extasiada. Nate continuava contando sobre aquele lugar peculiar e inovador. Haviam humanos de realidades e tempos diferentes, mas todos ainda "primitivos". Conheciam a escrita e a agricultura, criaram seus impérios, reinos ou tribos. Entendem da astronomia mais antiga e cheia de misticismo, acreditam nos grandes deuses e na glória da guerra. Entretanto, estavam longe de conhecer a medicina básica, de criar uma bicicleta, uma bússola ou entender o uso da pólvora. Como antigos terráqueos, podemos dizer que sequer haviam alcançado o conhecimento dos gregos.
– Mas... – ele dizia mudando suas expressões para um tom de admiração.
São sociedades com culturas ricas e arquiteturas magnificas.
– Nos 267 anos que estão aqui em Asterion, esses humanos já recriaram tudo aquilo que deixaram em suas Terras.
Ele apontou para uma das paredes onde os arquivos apareciam, todos os vidros daquela casa funcionavam como telas de computador e tudo podia ser projetado em 3D.
Olhei para as fotos. Pirâmides e palácios, casinhas de pequenas tribos. Os camponeses se aglomeravam em volta das grandes construções.
– Mas eles não têm se dado muito bem, travam guerras constantemente. Eles já estabeleceram contato entre si, criar alianças e disputas ridículas. Não queremos reproduzir uma Terra como a sua e muitas outras, queremos seres humanos melhores. Seres cooperativos.
Olhei um pouco para ele incerta. Como não pude perceber o quão idealista Ågaris é?
Hugoh queria com esse projeto moldar essas sociedades a perfeição. Buscava estabelecer a paz sem intervenção direta (não queria impor a paz, queria que optassem por ela). Queria eliminar as doenças e dar as pessoas uma vida mais longa. Desejava humanos que respeitassem a natureza e cuidassem dela. Queira humanos fortes e inteligentes que prezassem pelo conhecimento e não pela aparência. Só esquecia de um detalhe: como se faz um mundo perfeito com humanos imperfeitos? Perfeição nunca foi algo muito humanos, era algo divino, inalcançável.
– Inalcançável – falei em voz alta, a palavra me intrigava, me trazia uma memória distante.
Fechei os olhos, mas a memória me escapou.
– Nós dois vivemos entre os humanos sabemos como eles estão. E Hugoh quer esse mundo perfeito para colocar outro ser como nós para ser testado, colocá-lo em situação difíceis para ver os resultados.
– E eu seria a encarregada de preparar esse lugar? Sem interferir indiretamente, mas tendo que ser um lugar perfeito? Você não acha que soa impossível, delirante e megalomaníaco?
– Sim, mas essa também é a discrição de quem é o Hugoh, então...
– O que você vai fazer nesse meio tempo?
– Vou fazer o que fiz com você – ele disse animado sentindo-se a mesa e puxando um arquivo – Hugoh tem sete projetos em andamento. Demora bastante para que um ser como nós esteja pronto para ser colocado. Eu ajudo ele nessa parte e é aí que eu vou trocar um de nós, por um NóS.
– Podemos usar outros nomes? Esses nós/NóS tá ficando bem confuso.
– Claro. Eu e você somos Kalykes, somos os seres originais. Hugoh e os outros, eu os chamo de K's por serem como a gente, mas não iguais.
– K e Kalyke, acho que fica melhor agora.
– Então... Hugoh não vai te obrigar a aceitar esse projeto, mas acho que você deveria. Não só porque você melhor que qualquer outro K vai fazer um bom trabalho, como também seria muito bom a gente ter controle do lugar onde eu vou colocar nosso amigo, o Kalyke.
Hesitei. Era uma responsabilidade enorme, moldar um mundo, uma sociedade... Sorri pensando que nesse lugar eu era considerada uma deusa.
Nenhum humano havia sido arrancado da Terra e trazido para o Quarto Continente de Asterion. Para eles aqui era a morada dos deuses, foram escolhidos para habitar esse lugar. Como não se sentir importante com essas ideias? Como não deixar o poder subir à cabeça?
– Eu não sei se posso fazer isso – levantei da cadeira caminhando de um lado para o outro da sala – Eu não quero esse poder todo, não quero dizer a uma sociedade inteira o que fazer.
– Você não vai dizer, só indicar o caminho.
Revirei os olhos impaciente.
– Quem sou eu para indicar qualquer coisa? Porque eu saberia melhor do que eles? Eu era humana até um tempo atrás!
ÅgariS
Estava sendo difícil convencê-la. Ela ainda se via pequena, humana, frágil. Como convencê-la de que tinha o poder que os humanos queriam de mudar o mundo. Como alguém que cresceu como humano recusaria tanto poder?
A deixei na sala olhando o projeto mais a fundo. Queria que Ela decidisse fazer por Ela, não queria ter que apelar para o argumento que vinha guardando.
– Como Ela está? – escuto a voz de Hugoh atrás de mim.
– Pequena.
– Não tenha pressa, nem todos são como você. Poucos entendem tão rapidamente o poder que têm.
Passos leves se aproximam e Ela apareceu na porta.
– Talvez... – ela dizia desconfortável – Mas teria que ser para tornar a sociedade boa. Não quero ser uma ditadora, quero dialogar com eles, saber o que eles querem.
Hugoh sorriu como se debochasse da ingenuidade de uma criança.
– Nosso amigo Nate cresceu entre militares. O que costumavam dizer para você?
– "Se você continua bom com tanto poder nas mãos, me desculpe, mas você não tem poder algum". Minha adorável garotinha, você não está dialogando com humanos que buscam um mundo melhor. Se você quiser uma sociedade boa, você vai ter que impor e sabe o que acontece quando você impõe o bem?
– Você se torna mau – completo já tendo escutado esse discurso – Não existem bons ditadores e vocês querem para eles o melhor tipo de ditador que existe, um que não é visto.
Ela nos olhou de forma estranha, parecia nos julgar, mas não sabia como. Eu podia sentir as próximas palavras emanando da boca dela e não era a resposta que queríamos.
– Você precisa aceitar porque Hayden está entre esses humanos. É a única forma que você vai ter para ficar perto dele.
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Forgotten
Science Fiction"Nada fazia sentido. Um dia todas as ruas estavam cheias de pessoas se esbarrando umas nas outras, no outro eu abri os olhos e não havia sobrado ninguém" #4 em Ficção Cientifica (14/MAR)