[10A] - A Caixa de Espelhos

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- ÅgariS -

Hayden estava sentado diante de um belo prato de comida. Um suculento pedaço de carne estava disposto ao lado de uma pequena porção de arroz e vegetais bem temperados cortados em rodelas. Em uma taça, suco de morango foi colocado e, em outra, a água mais pura e cristalina que poderia ser encontrada.

Em seus olhos era claro como a fome começava a consumi-lo, entretanto, sua desconfiança era maior.

– Não queremos envenenar você – disse pelo microfone – Eu não quero envenenar você. – me corrijo.

Minha voz ecoou dentro da sala onde Hayden estava. Diverti-me pela forma assustada como ele olhou ao redor.

– Pode comer. Depois vamos conversar.

Desliguei o microfone e observei-o gritar contra o vidro pelo qual eu o observava. Sua raiva me divertia.  Pude ver a humanidade que havia dentro dele quando uma cadeira voou contra um dos espelhos do quarto. Ele sabia que eu o observava, como não saber. Por qual outro motivo (que não fosse um narcisismo exacerbado) haveriam tantos espelhos em um único ambiente?

O som da cadeira caindo no chão não chegou até mim. Na verdade, som nenhum chegou. Hayden era parte do meu filme mudo particular. Não levantei ou movi um milímetro. O observei devorar a comida até a última migalha e depois arrepender-se. Tenho certeza de que se ele não soubesse que estava sendo observado teria lambido o resto da calda de caramelo espalhada no prato.

Minha admiração por aquele espécime era clara. Hayden era a materialização de um inconsciente desesperado por respostas e quem melhor representava respostas no subconsciente dela do que Eu. Ela o criara em meio ao medo e dúvidas, Hayden era o fruto de perguntas e a busca por respostas.  Percebi que não deveria estar tão surpreso, eu sempre soube o quão poderoso era o inconsciente dela (não que poderia ter previsto algo assim). Uma versão minha (minha aparência e personalidade de outro) em forma de ser humano? Saído da mera imaginação e vagas lembranças? Eu estava acostumando ao termo sopro da vida, mas não ao devaneio da vida.

Girei a cadeira vendo de relance a sala de observação. Ao meu lado estava a cadeira de Hugoh e ao longo da mesa quadrada mais 7 cadeiras vazias. Muitas delas permaneceriam vazias (mesmo quando todos estivessem aqui), ainda assim as cadeiras vazias eram boas para preencher o vazio.

Num dos cantos os computadores exibiam a tela de espera enquanto do outro lado um vidro exibia as camadas de terra sob as quais o local estava enterrado. Para alguns, seria um tanto claustrofóbico, para mim era indiferente, não sentia muita falta de oxigênio ou ar fresco.

Coloquei os pés sobre a cadeira e a reclinei para trás. Ninguém chegaria ali por pelo menos algumas horas. Éramos somente eu e Hayden. Yay!... A ironia em meus pensamentos me incomodou. Quanto mais tempo eu passasse com Hayden trancafiado, mais dor causaria a ela. Esse nunca foi meu objetivo. Eu precisava maximizar todo o tempo que tinha, ver como fazer dele um fator a NossO favor.

O sofrimento dela era um efeito colateral inevitável, mas que se dependesse de mim, valeria a pena. Esse era o grande objetivo. Eu sabia que ela entenderia a razão de tudo uma vez que se lembrasse. Só havia uma falha nesse pensamento, eu não podia contá-la a verdade, não era seguro, ela precisava lembrar sozinha (ou talvez, pudesse fazê-la dormir por muito tempo e sussurrar na mente dela). Sequer sabia como ela fazia, como ela penetrava nos meus sonhos, mas poderia ser nosso lugar seguro, o único onde poderíamos conversar sem paredes com ouvidos.

Temia a cada segundo que eles descobrissem minhas manipulações, temia que eles tirassem de mim a posição favorável que tinha para controlá-los, temia que tirassem de mim mais do que já haviam tirado.

E ainda diziam que eu era o monstro... Acho que eles deveriam passar mais tempo dentro da caixa narcisista.

Olhei para Hayden sondando o quarto. Éramos NóS que importávamos, eu só deixava-os acreditar que eram parte desse pronome. Eu faria qualquer coisa por NóS, NóS 4, todos os outros eram empecilhos que eu sobreporia, não importavam as consequências, quantas vidas se perdessem, ou a dor do processo, eu traria aqueles que importavam de volta.

Hayden entenderia sem dúvida alguma. Ele era humano, e o que era mais humano do que um amor incondicional e completamente irracional?

ForgottenOnde histórias criam vida. Descubra agora