[11] - Em Busca do Caminho

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- ÅgariS -

– Um exército? – a testa franzida de Hayden concordava comigo sobre quão essa ideia soava estúpida – Porque eles acham que ela faria um exército? Além do que, mesmo se ela quisesse, não acho que milhares de eus formariam um bom exército.

– E é isso que eu vou mostrar a eles. Quanto mais humanos você for melhor. Eles não temem humanos, o medo deles é que você seja... Como posso dizer... mais evoluído do que um humano, que tenha alguma habilidade especial. Tivemos algumas experiências ruins desse tipo no passado.

– Do que você precisa? – Hayden dizia hesitando.

– Preciso que você grite – dei um sorriso e, um segundo depois, peguei a faca sobre a mesa e deslizei sobre o braço dele.

O som de sua voz ecoou pela sala, mas Hayden não moveu o braço. O sangue escorreu manchando a mesa de vidro, ele me olhava sem entender o meu propósito, mas tendo confiança de que eu estava fazendo o necessário para ajudá-la.

Seus olhos brilhavam com os rios que ele se recusava a deixar fluir. O tic-tac do cronômetro preenchia o silêncio do tempo que se arrastava.

Eu encarava o corte esperando por algo fora do normal, uma regeneração mais rápida, um sangue de cor diferente... Hayden batia o pé no chão inquieto enquanto eu batia meus dedos contra a mesa. O sangue já não escorria muito e começava a estancar.

Peguei a toalha branca molhada ao meu lado e limpei o braço dele. O ferimento estava aberto e quando o tecido macio deslizou em sua pele aberta, ele gemeu. Dor, muita dor e, ainda assim, ele não se opôs. Hayden era, de fato, uma bela projeção da outra parte de sua criadora.

– Porque não simplesmente me matar? Isso mostraria que sou humano.

Hayden falava com a naturalidade de quem não entendia a morte.

– A habilidade de morrer não te torna humano, só mortal e mortais ainda podem causar muitos problemas. Além do que, você é a manifestação de NóS, ela ama você. Eu preciso que ela se mantenha assim. Não a quero com uma sede de vingança.

– Talvez seja um pouco tarde pra isso. Eu posso sentir o ódio dela.

Apertei o curativo contra o braço de Hayden arrancando dele um grunhido contido.

– Ela não quer vingança – expliquei – ela quer salvar você. A vingança só vem quando tudo já está perdido, e nada vai acontecer com você, não se depender de mi—

– Porque você tá aqui sozinho? – ele perguntou antes mesmo que eu pudesse terminar minha frase.

– Eu tranquei meu colega do lado de fora.

Hayden me olhou buscando a ironia em minhas palavras, (o que eu sabia que ele nunca encontraria). Deixei que ele presumisse o que quisesse. Tirei uma das agulhas do kit de tortura disposto sobre a mesa e espetei a ponta contra o indicador da outra mão dele. Hayden fechou os olhos a medida que eu aumentava a pressão da agulha contra seu dedo.

– De zero a dez, quanto é essa dor?

– Quanto?

Olhei para o braço dele sem precisar fazer a pergunta.

– Oito – ele disse sabendo que eu perguntaria sobre o braço.

– O que você imagina que seria um dez?

– Um osso quebrado?... – Hayden soluçou se arrependendo – Por favor, não quebre meus ossos.

Apreciei o medo da dor em sua voz, muito bom, muito humano.

– Não vou quebrar. Eu já vou terminar.

Busquei pela seringa e tirei uma pequena amostra de sangue.

– A mãe dela costumava fazer exames de sangue nela. Tem al–

– Sim – respondi sabendo onde ele queria chegar – Eles entregaram ela quando bebê a esse casal, eles sabiam o que ela era, de onde vinha e do que era capaz. Sabiamos que a mãe iria querer entender o que a filha era já que era uma bióloga. Na verdade, ela fez descobertas interessantes, ganhou até uns prémios com isso. Demos ao pai algumas informações bobas sobre o universo que o deixou maravilhado. Foi o que precisávamos para que eles cuidassem bem dela, com o mínimo de amor possível.

– Cruel, não acha? Ela era só um bebê.

– Ela nunca foi só um bebê, só uma criança, ou você acha que o incêndio que matou os pais dela foi realmente um mero acidente. Você esteve na mente dela, deve ter sentido a dúvida, a raiva, a culpa. Nos achamos que nesse momento ela perceberia que era mais que só uma humana, mas não, ela não se deixou acreditar que causou o incêndio e reprimiu a lembrança.

Peguei a toalha ensanguentada e deixei a pequena mala de primeiros socorros sobre a mesa. Saí da sala. A porta fechou-se mais uma vez, pela última vez, até que tudo fosse resolvido. Acionei as trancas enquanto me sentei sobre a mesa de controle e colocava a amostra de sangue para análise.

– O que aconteceu? – Hayden perguntou confuso ao escutar as tranças metálicas se chocarem.

– Vamos focar nela – eu dizia pelo microfone – Você disse que pode senti-la. Quero que você volte a sussurrar na mente dela, guie-a até aqui.

Hayden balançava a cabeça concordado, ele entendia o que precisava fazer. Fechou os olhos e deitou sobre o sofá. Eu não sabia mais o que dizer a ele, na verdade, não tinha ideia de como ele faria para voltar ao inconsciente dela. Eu precisava acreditar que seria natural a ele.

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