Ela era minha consciência, eu sou ela. Ela vive em minha mente, mas só agora nos aproximamos. Era estranho perceber que eu era ela e ela sou eu. Estranho me olhar sentada naquela grama seca como uma alma fora do corpo.
O problema era o quão calma eu estava. Ou ela. Ou ele. Ou ainda o outro ela.
Ela estava estática e nós a observávamos. Nós me observávamos. Porque eu era ela, ela sou eu. Eu sou Grilo e todas as outras pessoas sentadas ao meu redor. Eu não deveria ser tantas pessoas. Eu não devia estar tão próxima da minha consciência, do meu subconsciente. Eu não deveria ter tanta clareza.
Eu estava presa em meu pior pesadelo, mas podia enxergar que era só um pesadelo. Me sentia perdendo a cabeça com tanta clareza. Eu sou ela e ela sou eu. Não me sentia como ela, não me sentia como eu mesma.
Meus pensamentos estão se fragmentando. Eu consigo enxergar que tudo que posso fazer é esperar, mas já estou perdida no tempo. Se passaram semanas? dias? séculos? milênios? Uma infinidade de tempo que minha mente fragmentada já não é capaz de entender?
Consigo enxergar os buracos, os lugares onde minhas memórias se encaixariam tão bem quando a última peça do quebra-cabeça.
A loucura me trazia uma nova perspectiva. Eu já não era ela, eu já não sou eu. Eu era NóS, mas já não existe NóS, porque ela sou eu e eu sou ela.
Sinto que nada disso faz sentido, mesmo que consiga entender o que eu digo.
Eu olhava para aquela mulher descabelada numa camisa de força desamarrada. Ela não era eu, era uma parte de mim que não queria dentro de mim. Eu estava me fragmentando. Eu não deveria ser tantas pessoas, que não eram eu, mas eram ela, que sou eu.
Ser tantas pessoas é não ser ninguém. Talvez, por isso, ela esteja tão calma. Ela não sente mais nada, eu não sinto mais nada.
Me vejo pelos olhos de Grilo e tudo que vejo naquele meu corpo é a mais completa apatia de alguém que não sabe mais como lidar com o mundo. Eu escapei de mim, mas ainda estava ali observando tudo como num sonho. Será que eu voltaria a ser aquela eu?
Haviam tantas partes de mim vagando por ali. Era claustrofóbico para um planeta tão pequeno. HugoH havia mesmo pensado em tudo. Eu sequer sabia que um planeta desse tamanho era fisicamente possível.
Eu me sento vazia. Cansada. Devastada. Mas eu já não sou eu. Eu sou ela e eu, até sermos nós de novo.
Estendo para ela a pequena pílula branca na palma da minha mão. Engolimos em seco num movimento automático.
Eu não tinha fome, não tinha sono, mas estava faminta por afeto, exausta de solidão.
Queria que tudo terminasse, mas não havia fim. Esse era o grande propósito da imortalidade.
Tudo que restava era colocá-la para dormi. Deixá-la naquele lugar onde não haviam tantas pessoas. Onde havia o espelho e eu era um, onde eu era parte de NóS, mas eu era um.
Poderia ÅgariS me encontrar lá?
Ela foi apagando, eu fui apagando. Todos nós formos nós desfazendo.
KiH lembra do sentimento de Hayden. Ele havia sentido quando ela foi jogado naquela realidade. Sentiu nossa conexão se quebrada. Ele finalmente era só ele, não mais parte de mim.
A dor crescia e ela apagava. Não havia mais grilo, nem a mulher na camisa de força, ou todas as outras partes de mim que foram fragmentadas. Eu era uma só naquele lugar.
Eu sou eu e o reflexo no espelho também. Queria que fosse outro alguém. ÅgariS apareceria ali?
Não sabia como o tempo passava lá dentro, mas era melhor ficar perdida em minha mente do que maluca na realidade.
Ali éramos só eu e a neblina que pairava sobre o chão inexistente. Éramos eu e meu próprio reflexo. Eu, a neblina e o espelho. Até que éramos eu, a neblina e os dois espelho. Dois espelhos que se cruzavam e me davam 3 reflexos. Eu sabia o que significava.
Não aconteceu de uma vez só. Primeiro foi como um glitch, uma imagem que apareceu e desapareceu no mesmo segundo. E por alguém tempo isso se repetiu. Eu sabia que entre cada aparição muito tempo se passava, mas ali não havia tempo.
Cda vez que eles apareciam, ficavam um segundo a mais. Eles estavam entendendo, descobrindo assim como eu havia feito. ÅgariS estava entendendo, estava me procurando.
E então finalmente estávamos todos ali. ÅgariS havia conseguido, não somente recuperar nossas consciência e nos trazer de volta. Havia conseguido nos fazer crescer e aprender, fazer com que lembrássemos quem éramos.
EstávamoS todos sentados. Pernas cruzadas, olhos fitando uns aos outros. NarvÏ havia crescido. Cabelos cor de caramelo, pele branca e delicada, o sorriso de quem sabia que tinha o mundo a sua disposição. Nate replicava o sorriso dela, com o seu olhar de deboche por detrás dos óculos. Laykai triplicava o sorriso, mas o dele emanava um tédio que podia sentir. Ele havia crescido. Nate o havia colocado numa realidade. Lá já deveriam ter se passado mais que 2000 anos.
NarvÏ, ÅgariS, Laykai e eu. Estávamos todos materializados. Tínhamos um corpo. Levantei tendo meus movimentos imitados. Minha mão tocou o espelho quase os tocando, se não fosse aquele limite de realidade, aquele maldito espelho. Podia sentir a presença deles, sentir as emoções que emanavam.
Ainda não estávamos prontos para recuperar nossas memórias, mas estávamos prontos para nos encontrar. Eu não sabia como, mas aquele sentimento de esperanças que havia me escapado voltava. Havia algo para que luta, algo para me trazer a realidade e não me deixar levar pela loucura.
Os olhei sabendo que lutaríamos não pela vingança da qual estávamos sedentos, mas para voltar pra casa.
Eu finalmente tinha entendido que eu era, porque eu era KiH. Não era um mero objetivo inalcançável para dar sentido à vida de um imortal, para que ele sempre tivesse algo a perseguir. É muito mais que isso, é algo que nenhum K seria capaz de entender. É a essência da vida, da consciência, do universo. É o momento em que se é capaz de entender que por não sermos nada mais que um amontoado de átomos, é que somos muito mais.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Forgotten
Science Fiction"Nada fazia sentido. Um dia todas as ruas estavam cheias de pessoas se esbarrando umas nas outras, no outro eu abri os olhos e não havia sobrado ninguém" #4 em Ficção Cientifica (14/MAR)