[22] - O Quarto Continente

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Dia 1027

Hayden largou a bandeja de frutas e correu em minha direção. Corri para seus braços quase sentindo o aperto de seu corpo contra o meu. Seu aroma já enchia meus pulmões, sua pela já tocava a minha.

Mas ÅgariS nunca permitiu que nosso reencontro acontecesse. Ao invés de me chocar contra Hayden, atravessei um vortex apareceu a minha frente. Quando tentei voltar, a passagem sumiu.

Eu estava de volta na casa dele. Sem Hayden. Sozinha.

Gritei enfurecida extravasando minha raiva. Gritei enquanto batia na almofadas do sofá, gritei enquanto jogava um dos arranjos contra a parede e gritei, e gritei, e gritei.

- GRILO! Me leva de volta.

Grilo apareceu prontamente com feições de quem não tinha gostado do meu tom.

- Primeiro, não grita comigo, eu to na sua cabeça, eu sei o que você quer antes mesmo de você pensar - ela estendia o indicador como uma adulta - Segundo, eu não sei abrir um vortex, porque nem no fundo do seu subconsciente você sabe. Isso é uma coisa que você vai ter que aprender.

Ótimo! Eu era natural, mas haviam coisas que eu tinha que aprender. Quando era que esse universo ia ficar a meu favor?

- Nunca. Você simplesmente não é uma pessoa de muita sorte – Grilo respondia meu pensamento.

Revirei os olhos e me deixei cair no sofá. Eu tinha perdido a oportunidade de tocar Hayden, nem que fosse para me despedir. Para dizer que nunca o abandonei e que ele sempre está em meus pensamentos, mas...

Olhei para Grilo tocando a mesinha de centro e acessando nossos arquivos.

- Entrada 37B3, Projeto para o Quarto Continente.

- O que você está fazendo? - pergunto virando o rosto para ela.

- Tirando a ideia que você teve da sua cabeça. Pode ficar sofrendo aí.

Dei um grunhido deixando que ela fizesse a parte difícil. Me voltei para o teto e fechei os olhos escutando o que ela dizia.

- O modelo para o quarto continente será de uma única comunidade separando crianças e adultos. Não haverá mais a ideia de família. As crianças serão criadas em conjunto com o mínimo de influência das gerações mais antigas para que maus hábitos não sejam passados adiante. Uma vez adulta, as crianças voltaram a integrar a sociedade.

- Você não achar que um mundo de crianças pode ser um pouco caótico?

- Provavelmente, mas vamos pensar nos detalhes depois - ela respondia impaciente fazendo um gesto para que eu não interrompesse.

- Enfim... Dentro desse sistema as crianças terão que passar por algum tipo de teste para que saibamos se estão aptas a ter um convívio social pacífico.

- E se elas não conseguirem passar?

- Você sabe que eu sou você, né? Que todas as respostas que eu to te dando estão saindo da sua cabeça.

- Eu sei, mas você é melhor com a minha cabeça do que eu.

- Nós não sabemos os detalhes. Só me deixa terminar.

- O objetivo é criar um ambiente cooperativo e pacifico em algo por volta de 2000 anos aplicando pequenas mudanças esporádicas. Talvez até colocar seres humanos criados por nós e educados por nós "infiltrados", entre aspas, para começar a remodelar a sociedade. Durante esse tempo detalharemos melhor e criaremos um sistema de leis simples a ser implantado mais à frente. E–

Grilo levantou o olhar. O programa salvou e fechou no mesmo instante. Num instinto levantei sentindo a preocupação que ela me transmitiu. Uma faca se materializou em sua mão e uma arma na outra. Em minha mão ela fez surgir uma pequena adaga.

Tive um devaneio sobre o quanto tínhamos poderes divinos, mas sempre usávamos armas humanas, pois nossos poderes acabavam se anulando numa luta e precisávamos voltar a "selvageria". Não éramos deuses entre nós.

– FOCO! – ela percebia que minha mente não estava ali – HugoH tá vindo, tá armado e tem alguém com ele.

Ela me encarou com incerteza, uma certa decepção transparecia em seu olhar. Nós sabíamos que eu não tinha chance contra HugoH, muito menos contra ele e mais alguém. Grilo se voltou para a direção de onde eles vinham. Estavam ainda um pouco longe, ela podia sentir.

  – Ela voltou. Diza - Grilo então agarrou minha mão e me puxou para fora. Corremos adentrando a floresta que rodeava a casa de ÅgariS.  Grilo corria acelerando ao ponto em que não conseguia acompanhá-la.

– Ele disse que demoraria anos pra ela voltar!

– EU SEI!

Grilo pulava as raízes com agilidade me deixando para trás. Quando já estava longe demais, parou e me esperou. Eu já estava ofegante e suada.

– Eu não consigo fazer isso – constatei inspirando fundo.

– Cala boca e corre. Eu vou ganhar tempo pra você.

Grilo correu na direção de meus perseguidores como uma heroína, enquanto eu corria na outra como uma covarde. Afinal, quem eu era?

Não olhei para trás, mas pude escutar os gritos daquela garotinha enfurecida lutando contra dois seres incrivelmente poderosos. Me senti abandonando uma criança para uma luta desleal, mas se ela era eu, então eu estava ali lutando. Ou não?

Continuei a correr, mas não por muito tempo. Eles haviam a pegado. Independente da agilidade, uma adaga havia penetrado seu estomago a dilacerando por dentro. Eu sabia porque cai no chão sentindo aquela dor enorme, cai porque eu era ela.

"Volta a correr! " Grilo estava de volta em minha mente sem dor alguma, a dor agora pertencia somente ao meu corpo. "Volta a correr! Você não tá machucada! ". Eu sabia que não estava, mas não conseguia, sentia minhas entranhas sangrarem por dentro. Queria trazer Grilo de volta, queria que ela me protegesse, mas não tinha força para isso.

– Queria dizer que estamos quites, mas nunca vamos estar – escuto a voz de HugoH, mas tudo que vejo são seus pés.

Um chute me atinge na barriga fazendo me fazendo gritar, a dor se tornou insuportável. Meu corpo lutava para não apagar, mas eu já não sabia se queria ficar acordada.

Caio virada para cima vendo Diza se abaixar ao meu lado. Seu cabelo estava preso naquele rabo de cavalo e ela vestia sua roupa de super-heroína/vilã, nem parecia que tinha passado anos sendo torturada pelo universo.

– Você achou que ia se livrar de mim me jogando no vácuo? – Diza me puxou pela gola do vestido e depositou o primeiro soco no meu rosto, e o segundo – Eu fui torturada por anos porque HugoH me deixou do lado errado da guerra. Um pouco de vácuo não é o que vai me segurar.

O terceiro soco me apagou.

ForgottenOnde histórias criam vida. Descubra agora